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segunda, 11 janeiro 2016 16:56

POLÍCIAS DA VÍRGULA

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Há pessoas que, às vezes, perdem boas oportunidades para ficarem caladas.  Sem terem a mínima ideia dos trambolhões que um livro dá até chegar à versão final, às mãos do leitor, ignorando quantas vezes ele é revisto por forma a evitar erros e gralhas,  sem terem ideia nenhuma da peregrinação que ele faz do autor para a tipografia e vice-versa, sem nunca terem posto os olhos nas provas tipográficas revistas de autores credenciados, sem nada disso saberem, se apanham um erro ou gralha num livro de 500 (quinhentas) páginas, aqui d'el Rei que «está aqui um erro».

Ora essas pessoas eu remeto-as, agora mesmo, para o texto que serviu de introdução ao meu livro «Lendas de Cá, Coisas do Além», publicado em 2004, ilustrado com uma página do meu livro «Castro Daire, os Nossos Bombeiros, a Nossa Música» em fase de revisão de provas, tal qual se segue:


Bombeiros - Redz

 

 

«E por falar em palavra, no que respeita a lidar com ela, de antemão me penitencio face às gralhas e erros que o leitor venha a encontrar em todo o livro. Para evitá-los, bem quisera eu ter do meu lado a mão amiga de S. Pedro, tal como teve São Leão (que foi Papa) quando acabou de escrever o tratado contra Nestório «o herege». Cómodo foi para ele deixar «o manuscrito uma noite sobre as relíquias de São Pedro, pedindo-lhe que se carecia de emendado o Santo apóstolo tomasse a si fazer as necessárias correções, antes do tratado sair à publicidade. Examinando o manuscrito ao dia seguinte, Leão notou que diferentes palavras tinham sido apagadas e substituídas por outras. Efetivamente o trabalho fora cuidadosamente repassado; e São Leão apressou-se em dar graças a Deus e a São Pedro»– Dâmaso – Vida dos Santos (Queiroz, 1979:136-137).


 Mas como não tive essa mão amiga, e não é meu hábito escrever para a gaveta, amortalhar ideias com medo que o polícia da vírgula e da forma me venha excomungar, não há como assumir a responsabilidade dos atos que pratico sem recurso ao transcendental, ciente de que, podendo não fazer «bom uso da ciência e da língua», assumo o risco de poder acontecer-me o que aconteceu à Alma do cavaleiro Túndalo, a única que teve o privilégio de ir ao outro mundo e regressar a este para contar o que lá viu. Entre tanto «sofrimento» teve de ser engolida e dejetada por uma besta de boca flamejante, que engolia as almas para dentro da fornalha do seu ventre e deitava-as depois pelo traseiro, pois tal era o «castigo dos sabedores, que mal usavam a sua ciência e da sua língua» (Saraiva:1991:221)

            Uf! Ainda bem que tudo isso já lá vai. É tempo passado. E se o terror incutido nas pessoas, por essas e outras obras de igual quilate, por esse e outros modos, ainda persiste em muitas almas do nosso tempo, terror que há de, seguramente, persistir no futuro, mal seria que o presente livro não servisse para o seu autor exorcizar os medos ‘traumatizantes’ que lhe incutiram em criança à revelia de toda e qualquer corrente psico-pedagógica e ao sabor de correntes metafisico-teológicas propagadas em Tratados de Devoção, sermões, catecismos e outras publicações doutrinárias.

            Insubmisso, eu aqui expresso o meu adulto protesto, consciente de todos os custos da insubmissão. O INDEX continua por aí. As excomunhões continuam a fazer-se. Os seus praticantes pontificam nas nossas instituições políticas e culturais. Falam connosco. Sorriem-nos. Dão-nos palmadinhas nas costas, mas fazem das suas. É a honesta hipocrisia social em ação de que falava Aquilino Ribeiro. Contra ela me tenho batido em publicações. Contra ela me bato na presente publicação».

NOTA: extrato da introdução ao livro «Lendas de Cá, Coisas do Além», ed. em 2004

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.