No dia 15 de outubro do ano passado realizei e alojei no Youtube, com imagens minhas a voz de Almeida Santos, um vídeo com a balada "Lá longe, ao cair da tarde". O seu falecimento transportou-me, agora, a Moçambique e, por conseguinte, a Lourenço Marques, onde o conheci, ele já com carreira consolidada no foro e eu a começar a carreira de trabalhador-estudante.
Chegado ali, alojei-me em casa da minha irmã Elisa e do meu cunhado, Bertholdo Camacho, que, juntamente com Almeida Santos e outros jovens turcos, integravam a oposição ao regime. Desse grupo faziam parte republicanos, socialistas, comunistas e monárquicos. Eu, caloiro em tudo, limitava-me a ouvi-los naquelas tardes que, fora da cidade, íamos lanchar à pequena vila de nome Matola, na residência de um tal Medina Camacho, natural da Madeira, comunista confesso, sempre de cachimbo na boca e a baba a cair-lhe do canto da boca. Decorria o ano de 1961. E eu não tardei a saber que se a política os unia a todos, a política a todos havia de separar. Não estavam sintonizados no destino a dar aos "territórios ultramarinos". Nem todos apoiaram o manifesto político que Almeida Santos e outros tornaram público defendendo a autodeterminação das colónias. E posso sintetizar isso numa frase captada num desses convívios. O caso foi que Medina Camacho tinha um filho, guarda-livros numa firma com sede na cidade. Andava a aprender russo. Os outros, sabendo isso, perguntaram-lhe se ele tinha intenção de "mandar o filho para a União Soviética". A resposta foi pronta: "não, eles é que vêm para cá". Estava visto. Uns eram pela descolonização, outros não.
As águas separaram-se, mas não antes de eu ter aprendido o suficiente para admirar e respeitar a opinião de uns e de outros. Todos o faziam por convicção e amor à Pátria. Uns, mais atentos aos ventos históricos do momento, enfunaram as velas e navegaram. Outros, por teimosia, contra os ventos ficaram. Ganharam os primeiros. Perderam os segundos. Mas a todos reconheço o arreigado patriotismo propalado, falado e escrito. Testemunha viva que fui de tudo isso, não podia deixar de escrevê-lo em memória de todos. Escrevi, está escrito, antes de chegar aqui o fio da gadanha.
Abílio/janeiro/2016