ESTRANHA FORMA DE VER
É isso. No dia em que a Igreja põe mais dois santos nos altares, dá-me para filosofar.
Quem não se lembra daquele vagabundo do porto de Piréu, felicíssimo por tudo o que via em redor ser seu?
Era um louco.
Quem não se lembra do Diógenes à procura de um homem, de lanterna na mão, em pleno dia, nas ruas de Atenas, ou metido no barril e pedir a Alexandre, o Grande, que se desviasse da sua frente e lhe deixasse apanhar sol?
Era um filósofo.
Eu me lembro de um andarilho, quilómetros e quilómetros sem parar, sem falar com ninguém, sempre a andar como um autómato, pelas ruas e avenidas de Lourenço Marques, que tinha regressado das partes da guerra, lá de cima, do norte, onde, por certo, viu a morte?
Estava apanhado do clima.
Eu me lembro de um professor de filosofia a quem um tumor no cérebro toldou o saber e o procedimento, expondo lampejos do seu pensamento de rua em rua que, de tão consequente e eloquente, apetecia segui-lo e ouvi-lo?
Era um doente.
Eu conheço um senhor que disparata ou discursa, ora cirandando por tudo o que é espaço público, ora sentado num banco de jardim, e dali debita sermão, ciente ou não do auditório que tem à sua frente e que só ele vê e crê que está de ser ouvido, se calhar, seguido?
É um tolo.
Quem não vê o povo ajoelhar-se à frente de uma imagem, de madeira ou de barro, rezar, fazer preces, falar com ela como se fosse gente?
Não. Esse povo, não é louco, não é filósofo, não está apanhado, não está doente, não é tolo.
Esse povo é simplesmente um povo crente.
NOTA: publicado no FACEBOOK em 27/abril/2014