MEMÓRIAS
Isto de pôr em letra redonda as memória é um vício. Bom ou mau, os meus amigos, aqueles que o são, o dirão. Hoje, 25 de março de 2018, apareceu-me uma locutora da TV vestida com uma blusa de cetim cor de vinho, mas de cetim cor-de-rosa foi uma camisa que eu tive, andaria ali pelos meus 15 anos de idade.
Aconteceu passar pela casa dos meus pais uma senhora de etnia cigana a vender roupa. Nova ainda, bonita e bem falante. Era acompanhada de um filhote a que chamava Beleza, com muita estranheza minha. Um rapaz chamado Beleza, só mesmo de ciganos.
A minha mãe, que sabia costurar, abriu uma peça de cetim e virando-se para mim perguntou-me se eu queria gastar os 10 escudos que sabia eu ter guardados. Ela punha o resto, comprava tecido bastante para uma camisa e eu ficaria mais belo que o Beleza da cigana. Face a minha hesitação, a vendedora prontificou-se a ler-me a sina de borla, se nós lhe comprássemos o tecido.
Deixar ler a sina! O desejo de saber o meu futuro, dito ali mesmo na quintã dos meus pais,
deve ter-me feito brilhar os olhos, pois ao meu aceno de "sim senhora, minha mãe" logo a cigana me agarrou a mão, palma virada para si e de linha a linha arengou o que lhe apeteceu. Algumas coisas retive eu até hoje: viria a ter duas namoradas, uma morena outra loura (coisa que acertou em cheio), faria uma longa viagem (não se enganou, pois fui para Moçambique) e viria a ser um homem muito rico, com muito dinheiro (coisa falhou redondamente).
O tecido foi comprado e a camisa foi feita. Se calhar, mais blusa do que camisa. Mesmo assim, sem dobras, reluzente ao sol, eram já as cores quentes de África a chamarem por mim. Assim garrido e reluzente, eu não cabia em mim de contente. Com aquela idade devo ter-me pavoneado, quanto baste, entre as raparigas da aldeia, para ajudar a cigana a acertar nos namoricos.
Foi assim. E vejam lá aonde me levou hoje a blusa de cetim da senhora dona locutora.