Era só ver as mães (caso curioso, só as mães) nas horas vagas dos trabalhos agrícolas, por norma num sítio soalheiro e de conversa, a catar os filhos. Dedos a desbravar caminho na floresta cabeluda, elas espiolhavam minuciosamente as trunfas das crias e era um regalo caçar esses parasitas, denunciados pela coceira e pelas lêndeas brancas. Cá está um. Fincavam as unhas dos dois POLEGARES em posição, entalavam a fera e “zás”. Ouvia-se um pequeno estalido e, entre aquelas talas de queratina, mais não restava do que a pelica espalmada e listada de um PIOLHO, sempre de mistura com o sangue que ele, na sua condição de parasita, tinha sugado da vítima hospitaleira. Era isso. A mulher camponesa ignorava o verniz das unhas e, por momentos, via-as tingidas de vermelho, com o sangue do seu sangue.
Desta feita, unhas em descanso, passada a fase em que, na vida, os POBRES eram demonstradamente RICOS coabitando com tão abundante fauna, a tarefa cabe agora à polpa da frente, aquela que contém as impressões digitais. Os mais dedos das mãos seguram o SMARPHONE (ou equipamento semelhante) e os DOIS parceiros de sempre, os POLEGARES, libertos das pulgas e dos piolhos, matraqueiam letras e números, escrevendo mensagens, dando vida e conversa no SOALHEIRO dos tempos atuais, pois à pressa (em pulgas e desta arte) está alguém algures, à espera de resposta, de chamamento ou, sabe-se lá, de descarte.
E, por falar em coração, o POLEGAR, só ou acompanhado com o indicador, presta-se a fazer esse SIMBOLO DO AMOR, tão em moda nos dias que correm. Neste mundo da escrita digital (sem caneta, tinta e papel) basta escrever a palavra CORAÇÃO e logo salta esse “emoji” para a linha de escrita, como se fosse nesse órgão palpitante que realmente reside esse sentimento humano. Não reside. Tão NOBRE sentimento tem por CASTELO o amuralhado e labiríntico cérebro, acompanhado das demais emoções humanas. Assim o demonstrou a ciência. E, se estou certo, pelo caminho ficou o estômago como sede que foi do afeto. A lembrar isso ficou o adágio, sempre por perto: “com papas e bolos se enganam os tolos”.
Pois. Mas a ciência e esse saber popular não são para aqui chamados. O que interessa é deixar clara a importância do POLEGAR e a sua posição oponível aos demais dedos da mão. E deixo de fora o vulgar símbolo de “GOSTO” e suas variantes do Facebook, para perguntar: quem não sabe que o polegar e o indicador, unidos nas pontas, assumem, a qualquer momento, a função de pinça, de alicate ou ferramenta semelhante, em qualquer emergência? Unem-se e, de pronto, “pegam” num objeto manipulável, v.g. uma areia da praia, uma pilha vazia ou cheia, um alfinete ou uma agulha de costureira caídos no chão. Coisas leves. Mas, em conjunto, à laia de punho fechado em torno de algo, não há ferramenta, cabo de enxada, de picareta, marra e marreta de pedreiro, malho de ferreiro, martelo ou maceta de canteiro que escape a essa garra preênsil desenvolvida na longínqua caminhada arborícola.
E quem é que, à beira de um penedal, esquece a sinfonia tocada pelo tilintar da marra a martelar no guilho, empunhada por mãos de mestre, arte herdada de avô, pai e filho, a fatiar um penedo para cantaria? Melhor, quem é que esquece o “tim...tim…tim…tim” alternado do pico a desbastar a pedra e da maceta a bater no ponteiro naquele ato de esquadrinhar porpianho para uma moradia? Sinfonia de saber, de música e de suor, tocada por profissionais do mesmo ofício, até ao remate das paredes e ramo em cima, sinal de contrato assumido.
Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.