É o que faço para lembrar que não foi por acaso que evoquei todas aquelas figuras históricas, ligadas a batalhas, guerras e expansionismos territoriais e de domínio. Não foi por acaso que, sozinho, me meti por silvedos dentro para filmar (pela última vez, sinto) aquele castanheiro centenário, um monumento natural invejável, um hino à vida longa e lição perene de humanidade. Não foi por acaso que recordei o tempo em que “uma sardinha” se dividia por três. Fi-lo neste tempo que tanto jovem se amedrontou com o racionamento dos bens de primeira necessidade. Não foi por acaso que lembrei o pensamento do filósofo, afirmando que o “HÁBITO É A SEGUNDA NATUREZA DO HOMEM”, face a tantos MAUS HÁBITOS consumistas que proliferam entre nós. Não foi por acaso que recuei aos meus tempos de trabalhador-estudante e lembrei que o toque de silêncio emitido por uma estação de rádio punha a dormir Moçambique inteiro. Então não havia notícias de desacatos e mortes de jovens às tantas da matina, dentro ou fora das discotecas. Não foi por acaso que fui buscar artefactos históricos ligados a higiene pessoal e familiar, em tempo que não havia saneamento básico nem água canalizada. Não foi por acaso que lembrei o número de vítimas da peste negra e da pneumónica. É que essas vítimas, para o historiador que, empaticamente, se relaciona com a matéria de estudo, eram também pessoas de carne e osso, com amigos e família. Não eram só números, nem gráficos estatísticos, a cores para impressionarem e criarem o perigoso VIRUS DO MEDO.
Não. Nada disso foi por acaso. Não foi por acaso eu ter dito que “Covid19” fez mais contra a POLUIÇÃO em menos tempo do que todas as manifestações de ecologistas, ao longo de décadas. Que, de rompante, matreiro e silencioso, ensinou à facilitista geração “ante” e “pós” “Erasmus” o que professores e pais não conseguiram, falando e transmitindo saberes de experiência feitos. Professores? Pancada neles. Pais? Ouvidos moucos. Não foi por acaso que falei no cancelamento de atos de culto e proibição de refúgio em lugares propícios a milagres. A contradição perfeita entre a doutrina e a “praxis”. Já cirandam por aí alhuns desenhos animados com suficiente carga e apelo de esperança e confiança no divino.
Já irei às palavras desse “PROFESSOR”, mas antes quero lembrar um jogo recente de “brincar às guerras” que teve como intervenientes a Correia do Norte, a China, o Japão, o Irão e os Estados Unidos da América. Nesse jogo participaram sofregamente os nossos meios de comunicação social. Eram mísseis balísticos para aqui, mísseis balísticos para ali, ogivas nucleares para acolá, todos com o alcance de milhares de quilómetros, capazes de atingirem o alvo A ou B. O Irão não podia ter uma “BOMBA H”, era o terror do Médio Oriente, como se o MÉDIO ORIENTE não estivesse em guerra há décadas. Lembram-se?
Quem o ouviu? Pois. Na ordem do dia continuou o URÂNIO, a BOMBA ATÓMICA e os MÍSSEIS. Os governos continuaram a destinar verbas dos seus orçamentos anuais para esse tipo de armamento, em vez de apostarem na CIÊNCIA BIOLÓGICA e formação de EPIDEMEOLOGISTAS. Discorria ele sobre o Ébola e os seus efeitos malignos numa zona circunscrita de África.
Pois. E volto a mim. Quem conheceu e foi moldado, no PÓS GUERRA, em tempo de CARÊNCIA de tudo e mais alguma coisa. Fome incluída. Quem estudou e absorveu os efeitos das fomes, pestes e guerras históricas. Quem sobreviveu aos efeitos de uma guerra (1939/1945), nomeadamente os “racionamentos”. CÉDULAS concelhias a circularem em substituição de notas da Casa da Moeda. Quem aos QUARENTA ANOS de vida, por razões de outra guerra (1961/1974) ficou sem nenhum dos bens materiais que entretanto ganhou e, SEM NADA, foi obrigado a REFAZER NOVA VIDA, onde jamais esperou e granjear novos amigos, por perdidos serem os que tinha. Alguns deles para sempre. Quem aprendeu com a vida que ela não é só FACILIDADES, que é cheia de surpresas e alçapões e que uma das BENGALAS de apoio e segurança a ter em conta na caminhada não está na postura “CHAPA-GANHA, CHAPA-GASTA”. Quem passou por tudo isso, dizia, não entra em parafuso só porque, face aos imprevistos do momento, se vê tolhido de alguns movimentos e privado de algumas regalias a que se habituou e a que tinha direito.
E se a sabedoria popular, por mim evocada, apoiado em duas muletas, nomeadamente, “há males que vêm por bem” e “para grandes males grandes remédios”, expressões que remetem, naturalmente, para o estudo e pesquisa científica e, decorrentemente, para a postura dos governos nas políticas dirigidas a essa área de trabalho, subjacente tinha e tenho no pensamento a diferença que, nesta sociedade nossa, neste mundo nosso, existe entre o vencimento de um cientista ou bolseiro que nas universidades se dedica à ciência, à descoberta de algo que, a qualquer momento, sirva o BEM COMUM, e o vencimento e outras cabalas que ganham certos jogadores de futebol, esse desporto que é a entretenga do século e ocupa os espaços nobres da nossa informação e FORMAÇÃO.
Eu, enquanto respirar, não deixarei na gaveta estas e outras interrogações por mais incómodas e estapafúrdias (melhor direi: estupidafúrdias) que sejam, ou pareçam. Fá-lo-ei antes de perder o pio e de ficar cansado de me ensinarem as LAVAR AS MÃOS. É que isso de “lavar as mãos” lembra-me logo Pilatos.
Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.