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quinta, 02 outubro 2025 12:08

CASTRO DAIRE - A HIGIENE E A ÁGUA

Escrito por 

A FONTE DOS PEIXES

Historiador natural do concelho (conhecem outro?) tenho-me pautado por “FAZER HISTÓRIA COM GENTE DENTRO”. E se nos anteriores trabalhos ilustrados ligados ao MONOGRAMA da FONTE DOS PEIXES disse “não questionar a felicidade de tanta gente que nasceu, viveu e morreu” sem ter decifrado a IMAGEM ESCULPIDA EM RELEVO na ESFERA da FONTE onde diariamente iam buscar água para SACIAR A SEDE FÍSICA, lamentei que ninguém, incluindo os nossos autarcas, não sentissem SEDE MENTAL que os levasse a dar sentido aquelas duas LETRAS ENTRELAÇADAS a remeter para as CAPITURARES GÓTICAS das ILUMINURAS, dos FORAIS e dos MISSAIS.

 PRIMEIRA PARTE

Disse isto em APONTAMENTOS  anteriores e também falei da HIGIENE, do valor da ÁGUA tempos fora e prometi voltar a falar da FONTE DOS PEIXES, a  mesma que, em postais ilustrados e em louça tem corrido mundo, graças mais aos comerciantes da vila do que ao interesse dos nossos governantes locais. A mesma FONTE cuja peugada sigo há muitos anos no sentido de deixar aos vindouros algo desconhecido sobre a sua HISTÓRIA, como foi o caso do singular MONOGRAMA, posto ali aos olhos de toda a gente, talvez ainda em tempos de MONARQUIA e pouca gente reparar nele e saber o seu significado.

Já fiz extensa crónica escrita sobre sobre essa FONTE e também  um vídeo que alojei no YOUTUBE mantido online. Porquê voltar, então, a ela, cuja estrutura recebeu melhoramentos e ampliação em 1921 e, muito mais tarde, em 1957, com  o espaldar de azulejos da CERÂMICA ALELEUIA DE AVEIRO, dentro de uma moldura de cantaria pespegado de encosto ao muro do escadório que, da ESTRADA NACIONAL Nº 2,  leva aos PAÇOS DO CONCELHO?  

Somente para tentar fazer uma RECONSTITUIÇÃO do seu passado histórico a partir de 1907, passando por 1914 e chegarmos aos tempos atuais, somando-lhe os trabalhos ligados aos melhoramentos locais ligados ao abastecimento de água.

Mas para fazermos essa caminhada de REGRESSO AO PASSADO temos de recorrer a FOTOGRAFIAS, POSTAIS e JORNAIS que circulavam na época feitos por gente com manifesto amor à sua terra.  As duas FOTOGRAFIAS que apresento mostram indícios claros dessa FONTE ter estado inicialmente localizada junto ao prédio onde hoje está a firma comercial JORGE FERNANDES PINTO.

FORNO DAS PIMPONASFaçamos, pois,  a hermenêutica da primeira FOTOGRAFIA, aquela que foi publicada, em 1907, na  «Ilustração Portugueza» a compor um extenso artigo assinado por João Correia de Oliveira, com o título «Terras da Beira, Castro Daire», com a sintética legenda «um trecho da rua principal». 

Carlos Mendonça, que emigrou para o Brasil, um dos ex-proprietários do solar com esse nome, próximo dos PAÇOS DO CONCELHO, onde, atualmente, está o «Centro de Interpretação do Montemuro  e Paiva», deixou em verso a seguinte descrição deste trecho da vila, poesia sua que eu verti para prosa, para melhor acomodação do texto:

Nesta zona destaca-se a Casa das Trepadeiras, com muitas janelas, e nelas, tenho a certeza, sempre debruçadas, meninas de rara beleza. E, mesmo ao lado, o Largo da República, com o belo Coreto, para música. Olhando em redor vemos a Venda da Aurora, onde se comia e bebia sem medo, passada depois à sua filha e marido. Logo a seguir o Forno das Pimponas orientado pela Tia Ana, mestra forneira. Nele trabalhavam as filhas e empregadas e ali se comprava o  «borralho para as braseiras». 

 SEGUNDA PARTE

Visto isto e deixando aquele aglomerado de pessoas na rua, a maioria delas CRIANÇAS, das quais já falei abundantemente na crónica com o título FORNO DA PIMPONAS publicado e disponível no meu site TRILHOS SERRANOS, e da parede lateral virada para a câmara fotográfica, onde não existem quaisquer escadas exteriores de acesso ao primeiro piso, fixemos o nosso olhar no resguardo ABALAUSTRADO que está ao lado, ao nível da ESTRADA, como que a proteger algo existente no seu interior. Presumivelmente posto ali para evitar o acesso aos  animais que, em fins dos dias de feira, povoavam abundantemente ruas e largos da vila, enquanto os donos bebericavam pelas tabernas, como nos informam os jornais, então existentes. Assinalei esses balaústres com um círculo vermelho. 

TANQUEPassemos à segunda FOTOGRAFIA. E que vemos nela? Vemos algum edificado urbano que  já figura na PRIMEIRA foto, mas também algo de diferente e de novo. O fotógrafo colocado no mesmo sítio (ou perto dele), com a objetiva focada no casco histórico  da vila, mostra-nos mais uma casa de pedra do lado ESQUERDO (em cujo varandim de grade forjada está a data de 1914) e do lado DIREITO, na parede do edifício, antes sem escadas exteriores de acesso ao primeiro piso, aparece agora esse acesso e bem assim o desaparecimento da proteção ABALAUSTRADA térrea, deixando ver o TANQUE que ela resguardava e que eu assinalei com círculo vermelho.

São duas fotos de especial relevância para o objetivo que prossigo, isto é,  alicerçar a hipótese de ter sido ali o sítio onde estaria a FONTE DA ESTRADA abastecida pela MINA de que falarei mais adiante quando tratar da seca de 1919 e a Câmara teve de buscar novas nascentes, incluindo a FONTE DA LAVANDEIRA de que já falei sobejamente em livros, em vídeos e textos online.

De posse destes dados e viajando nesta nave de raciocínio, seguindo o lema de “FAZER HISTÓRIA COM GENTE DENTRO”, havia que buscar informação nos jornais e sinalizar as preocupações da população em tempos de SECAS  e dos esforços dos autarcas no sentido de resolverem o problema  premente da falta de água sem a qual não há alimentação, vida e higiene.

Comecemos pela HIGIENE, ainda em tempos de MONARQUIA, botando para isso mão à IMPRENSA LOCAL e, por analogia, aquilatarmos o nosso grau de evolução social, interpelando-nos se, neste primeiro quartel do século XXI, é aceitável transitar na ESTRADA NACIONAL n. 2 e, junto  à PONTE PEDRINHA, o passante ter de tapar as narinas para não tombar com o cheirete que vem da antiga ETAR, com esgotos virados ainda para o RIO PAIVA, depois de se ter inaugurado a nova ETAR DO ARINHO com pompa e circunstância, isto é, com presença do senhor PRIMEIRO MINISTRO e comitiva. Bonito serviço! Tal qual está ele muito honra a nossa engenharia e todos os técnicos ligados à defesa do ambiente e ecossistema urbano e ribeirinho. Assim:

Porcos1 - HIGIENE EM TEMPOS DE MONARQUIA

Os porcos vagueiam livremente de dia e de noite, aos domingos, dias santificados e de gala, incluindo os de pequena gala, sem haver alguém que ponha cobro a tamanho abuso (…) os projetos grandiosos de fazer progredir Castro Daire, era só fogo de vista. Era só fumo”. ( Voz do Paiva, 521 de 19 setembro de 1909”.

2 - HIGIENE EM TEMPOS DE REPÚBLICA

“O número 1 do art. 65 do Código de Posturas Municipais proíbe que se lancem à rua pública quaisquer objetos  sólidos ou líquidos, sejam ou não imundos que possam de qualquer forma incomodar os transeuntes, sujar ou ir de encontro aos preceitos de uma boa higiene. Pois a qualquer hora da noite se despejam as águas das janelas, sem a menor precaução. E se fosse só água! As ruas, onde depois das dez horas da noite só se pode passar com o nariz tapado por causa do “fino aroma” que elas exalam.

À ilustre Câmara Municipal pedimos qs necessárias providências. Nada custa um pouco de cigilância a fim de serem premiados os transgressores do citado artigo” (O Castrense, n.26 -I Série - de 6 de agosto de 1911).

Foram estas e outras informações do gênero que me levaram a escrever no meu livro “JULGAMENTO”, editado em 2000, que os “porcos eram autênticos agentes de limpeza”, pois eram eles que, saboreando os dejetos lançados para as ruas com ou sem o alerta “água vai” desempenhavam a função dos funcionários municipais designados por “almeidas”, designação profissional advinda dos naturais que de Almeida, (Pinhel,) se deslocavam para Lisboa e faziam a limpeza da cidade.  

Não podendo haver HIGIENE sem água e o caso piorando em tempo de seca, chegamos a 1919, como nos informa «O Castrense» de que que a seguir deixo um recorte ilucidativo.  Já aludi à exploração da FONTE DA LAVANDEIRA (textos e vídeos) mas, no caso vertente, interessa destacar a nascente da “FONTE DA ESTRADA”, que virá a ser substituída pela FONTE DOS PEIXES, ainda que, presumivelmente, já PEIXES figurassem esculpidos em MONOGRAMA da ESFERA que encabeçava aquela fonte antes de ser deslocada e estrutura ampliada, em 1921.

Site-ÁguaABASTECIMENTO DE ÁGUA

Apesar da seca que vai, a FONTE DA ESTRADA, que em anos anteriores nada deitava por este tempo, ainda tem água porque a Câmara teve a boa ideia de mandar fazer um barato encanamento de troncos de pinheiro pela mina dentro, evitando assim a infiltração e, portanto, a perda de água”. (…) podemos dar-lhes uma notícia que não é má: já se descobriu  um novo veio de água. Não é grande, mas anima. Estamos convencidos de que no próximo ano a vila há-de ter água de que precisa.” (O Castrense, 218, 24 de agosto de 1919)

E é esta informação, somada à minha leitura das fotografias acima referidas, que me leva a estar atento e a fotografar a VALA que foi aberta para o saneamento e cabos de comunicação no percurso urbano que rasga a ESTRADA NACIONAL n.2 desde o MERCADO MUNICIPAL até à atual FARMÁCIA DE MISERICÓRDIA.

manilha-esgotosE, como quem procura sempre alcança, chegados à esquina da casa comercial JORGE FERNANDES PINTO, lá estava a MINA que, alguns metros acima, abastecia a “FONTE DA ESTRADA”, aquela que, nesse ano de seca, recebeu uma canalização feita com toros de pinheiro a fim de esse preciso líquido se não perder no percurso desde a nascente até à BICA.

De notar que a notícia refere a descoberta de um “NOVO VEIO DE ÁGUA” e a promessa de que no ano seguinte a “vila teria a água precisa”. E é aqui que bate o ponto. A velha mina da FONTE DA ESTRADA foi abandonada, explorou-se o NOVO VEIO DE ÁGUA e deslocou-se para ali a FONTE DA ESTRADA, procedeu-se à ampliação da estrutura e, em 1921, temos a FONTE DOS PEIXES.

2- RESTAURO-REDZa

Tentei reconstituir a estrutura original da FONTE DA ESTRADA, não sem me perguntar: porque lhe chamavam assim, se ela já tinha 8 peixes esculpidos no MONOGRAMA da CÂMARA MUNICIPAL e 4 no capitel da coluna de base. E a resposta veio pronta e rápida. Os jornais davam-lhe o nome que ela tinha na linguagem popular, gente maioritariamente analfabeta que, se era incapaz de decifrar DUAS LETRAS simples, nem pensar em decifrar DUAS  LETRAS ENTRELAÇADAS. Mas os autarcas, pudera! face a esse grau de iliteracia, resolveram incluir na ampliação da estrutura da nova fonte, DOIS PEIXES na vertical, de maior dimensão e visibilidade para servirem de bicas. E estou em crer que foi a partir de então que ela tomou, efetivamente, o nome de FONTE DOS PEIXES

Mau grado, porém, o abandono e desconhecimento a que foi votada a peça original, essaa obra singular e imaginativa, de alto valor simbólico, que um criativo, um mesteiral da pedra, em tempo não determinado, resolveu esculpir naquele GLOBO, naquele MONUMENTO que jorra frescura, vida e amor, ao ponto de, neste primeiro quartel do SÉCULO XXI,  passados que foram mais de cem anos, o grau da iliteracia do povo em geral, em 1919, se tenha estendido aos autarcas e responsáveis pelo zelo, preservação e divulgação do nosso património histórico. Uma pena! 

Mas se o significado simbólico impregnado naquela obra original de arte feita por desconhecido mesteiral da pedra, é ignorado pela «geração mais qualificada de sempre» neste primeiro quartel do século XXI, não o é por este mesteiral das letras, natural co concelho, com NOME e ROSTO públicos. . Há literatura sobeja e disponível que nos informa sobre o valor simbólico do TREVO, dos PEIXES, do númro OITO  e do numero DOZE, significado que, vá lá saber-se como,  penetrou  profundamente na sabedoria popular, essa gente analfabeta que, ora em dito solto, ora em despretensiosa rima poética, transmitiu de boca em boca (tal qual foram esculpidos os DOZE peixes existentes na estrutura da velha «FONTE DA ESTRADA»  (OITO na esfera e QUATRO no capitel da coluna) que chegou aos nossos dias a precisarem, urgentemente, de RESTAURO. E é com esse dito popular que remato este meu apontamento:

A fonte dos peixes

Tem a divina graça

De à terra prender

Quem dela beber

Quando por cá passa.

 

dupla - Cópia 

 

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.