QUEM ESTUDA...APRENDE...
Em Moçambique (há quantos anos, senhores?) antes de andar por aí espalhada, por tudo quanto é MÍDIA, a lamúria "ALÁ É GRANDE", já ela retumbava nos meus ouvidos proferida por negros quando se julgavam injustiçados por isto ou por aquilo. Apelavam à Justiça Divina já a Justiça Humana estava para eles desacreditada. E parece que não apenas pelos nativos. É isso que vejo no texto que transcrevo de "Ronda de África" de Henrique Galvão. Um belo texto, se calhar para surpresa de muitos que o conhecem apenas como protagonista do assalto ao Santa Maria. A esses remeto-os para o Google a fim de se certificarem das suas andanças pela Política, pela História e Cultura.
O texto vem mesmo a calhar numa altura em que se fala no Museu dos Coches e do tempo que ele levou a construir. As políticas e as burocracias a emperrarem a engrenagem da máquina da governação e da cultura. Mas não só isso. Anda no ar um cheiro a esturro de requerimentos INDEFERIDOS nos nossos departamentos de JUSTIÇA e não sei mesmo que se, face a essa reiterada INDEFIRIÇÃO, o requerente injustiçado tenha de proceder como o oficial de Justiça que passou por Tete. Ora leiam:
"A psicologia das gentes que viveram e vivem em Tete sofria e sofre naturalmente destemperos e alterações, relativamente a uma psicologia colonial, já de si desviada de uma maneira de ser metropolitana ou europeia. Os indivíduos reagem aqui por nervos e miolos aquecidos, com a distância a pesar-lhes nas almas, por vezes sob as formas mais desconcertantes. Umas vezes o pessimismo doentio, negro que se intromete não só nas ralações sociais como também na apreciação dos problemas, outras vezes, o humorismo irreverente, imbuído de indiferença pelas consequências, cáustico e azedo.
Um alto funcionário judicial colocado em Tete e que por aí "passou" com demora de quase dois anos julgava-se com direito a umas ajudas de custo por serviço prestado anteriormente fora da comarca. A Fazenda, porém, não julgava a mesma coisa e informara sempre contra o desejo do funcionário os numerosos requerimentos que este já fizera, reclamando as ajudas de custo.
Tendo sido nomeado e empossado um novo director, entendeu haver mais uma oportunidade para fazer valer os seus direitos e requereu novamente. Encheu uma folha de papel selado com as suas razões de Direito e, expostas estas, comcluiu assim o requerimento:
"Deve o requerente esclarecer V. Exa. que já requereu o pagamento das referidas ajudas de custo por diferentes vezes. A primeira vez era mui digno director dos Serviços o Exm. Senhor Fulano, que informou contra o requerente. O senhor Fulano faleceu, se V. Exa. bem se recorda, algum tempo depois. A segunda vez era não menos digno director de Fazenda o Exmo. sr. Beltrano, que também, infelizmente, informou mal o requerimento reclamando estas ajudas de custo. S. Exa. sofreu então um grave desastre de automóvel de que resultou a amputação de uma perna. Requereu terceira vez, sendo também mui digno director de Fazenda o Exmo. Senhor Cicrano. Este Ex.mo. senhor, tendo informado contra o requerimento, foi mais tarde, por motivos que não importa referir, reformado compulsiva. Espera o requerente que o mui digno director de Fazenda a quem competir informar agora o requerimento tenha em conta os desígnios da Providência exercidos sobre aqueles seu colegas que justiça lhe negaram" (Henrique Galvão, "Ronda de África", 1941 sgs., fascículo n. 13, pp. 408-411)

Cf. Facebook 25/05/2015