O SIGNO: SIGNIFICANTE E SIGNIFICADO
Passados tantos anos, quando menos se espera, essoutra companheira em sonhos me aparece, tal qual era e durante a noite inteira a dormir comigo tece a teia de veleidades, sortilégios e enganos próprios da mocidade.
Eu sou o seu senhor, ela é a minha gueixa. Eu sou o seu dono, uso-a e não se queixa. Quando nela me ponho, ora fria, ora quente, ela excita-me tanto o corpo e a mente que, às vezes, sem querer, a fantasia e o prazer tornam-se dor, sangue e pranto.
Maneirinha, dócil e novinha, carregada de atributos, quando a agarro nos punhos, a ela coladinho, não há mais escondidinho que fique por descobrir. E então, devagarinho ou de rompão, é descer e é subir em todo o campo, toda a linha. No litoral ou na raia, na costa ou na praia, quer de noite, quer de dia, nessas deambulações pelo Reino da Natureza com inteira liberdade, ela se deixa conduzir e me conduz a mim também. Sinto-lhe as pulsações. Os seus movimentos e vibrações no constante vai e vem, são os meus, são as minhas. Os dois formamos um só corpo.
De linhas originais, é por demais o orgulho que sinto dela ser só minha. Mas o meu encanto, o meu enlevo não se ficam por aí. Nem também o meu desgosto. Das cores com que se vestia algumas vezes a despi e despi também a mim, fosse em Janeiro ou Agosto. Se a memória não me foge, recordo ainda hoje (digo-o e não minto) em que contexto a possuía: à sombra da casuarina, do coqueiro, da palmeira, nos trópicos areais desse exótico Oriente, fascínio de toda a gente desde Vasco da Gama a F. Mendes Pinto.
Nascida noutro hemisfério, produto de culturas, religiões, técnicas e civilizações, usos e costumes diversos pelo Índico e Pacífico dispersos, tudo isso nela se vê. Daí talvez o mistério, daí talvez o porquê de, tantos anos depois, de passados tantos sois, não esteja ainda esquecida e faça parte de mim no sonho e na vida.
De linhas elegantes, bem constituída, bela e atrativa, para que se si, nada, mas nada se esconda, eu quero deixar aqui com toda a clareza e verdade o seu bilhete de identidade:
Origem: japonesa;
Marca: Honda. A minha primeira mota, aquela que na década de sessenta, nas estradas de Moçambique, em marcha rápida ou lenta, sendo eu ainda moço, mas já propenso a ficções, apetrechou o meu pensamento com quatro novas noções: liberdade, gozo, espaço e tempo.
Abílio/1980
NOTA: depois de ler o texto veja o vídeo (cujo link se segue) e teste o significado das palavras com o seu referente. Melhor direi; teste a sua MENTE.