DE CABO A RABO
Num tempo em que as palavras perdem sentido na boca dos políticos e de alguns eruditos facebookianos, lembrei-me, vejam só, de dois diálogos ocorridos numa loja de ferramentas agrícolas, entre vendedor e clientes.
1 - A GADANHA
Um desses diálogos ocorreu em torno do cabo de uma ganhanha de segar feno, das antigas, cabo de madeira que terminava em bisel, onde a gadanha se lhe unia por meio de um aro metálico mais uma cunha de madeira. Dizia uma senhora, na sua condição de mulher sozinha em casa:
- Compro-lhe este, é jeitosinho, tem um perno à medida de minha mão, mas tem de ir a minha casa encabá-la, que eu sozinha nãofaço isso.
- Está bem, onde é que mora? Eu vou lá encabá-la, mas só o faço a si, pois já viu o que seria de mim, se fosse atender todas as clientes que me pedissem para ir a sua casa encabá-la?
- É um grande favor e só lhe peço isso porque o meu marido está na França, pois se cá estivesse quem a encabava era ele.
2 - A ENXADA
Um outro cliente regateava o preço de uma enxada e, mirando-a daqui e dali, a largura da pá, a medida do olho, qualidade do aço, acabou por dizer ao comerciante:
- Eu levo a enxada por esse preço, mas tem de me dar o rabo.
- Ora essa, dar-lhe o rabo, isso é que não dou.
- Pronto, se não me dá o rabo, fique lá com a enxada. Agrada-me, tem bom olho, mas para que a quero eu, se não me dá o rabo?
O cliente desandou porta fora e comerciante ficou a murmurar:
Dar-lhe o rabo, era o que faltava!
Este comerciante de ferragens e ferramentas agrícolas, com loja aberta em Castro Daire, era um homem espirituoso, sempre pronto a aproveitar e fazer piada com o que "viesse à mão" no quotidiano da vida. Daí, ter-se virado para mim e dizer-me:
- Já visto isto? Aquela mulher, com o marido em França, pediu-me para eu ir a casa dela encabá-la. Este agora, queria que eu lhe desse o rabo. Se isto continua assim, vou mas é mudar o ramo de negócio.
Não mudou, não senhores. Aposentou-se fazendo piada com os ditos, com as expressões genuínas e sãs, saídas da boca da gente simples do campo, mais preocupa em ter ferramentas boas e seguras para granjearem o pão, do que com a polissemia das palavras. Isso é para gramáticos e linguistas que, sabendo de cor todas as parónimas, antónimas e sinónimas, não sabem o que é uma gadanha, um engaço e uma enxada. Em boa verdade não sabem, nem sonham, o que é lavrar um campo de semeadura da cabo a rabo. Isso é para políticos que somam leis e mais leis a esmifrar impostos de rabo a cabo. Nisto, é tudo a eito. Comem todos.
É por tudo isso que me agrada passar a letra redonda estes dois diálogos, ocorridos numa vila rural, e mostrar a pobreza e a riqueza da língua, ora na boca dos eruditos, ora na boca dos simples.
Abílio/2013
A SUA VIA SACRA
Saído das berças sitas nas «terras quentes» de Mirandela, gerado no útero de onde saíram, espaçados a compasso das estações do ano, mais sete irmãos, entenderam os pais que o caminho daquele rebento, escola primária feita, seria o Seminário de Vila Real (somente Seminário, sem distinção de Menor ou Maior) onde, no dizer do actual homem adulto inconformado por ter sido expulso, se «entrava porco e saía salsicha», pronta para entrar no mercado.
Dos muitos quilómetros de linhas escritas que, durante anos, deixei impressas nos jornais e nos livros sobre a história local, cultura, usos, costumes e gentes montemuranas, são poucas aquelas que envolvem a minha pessoa, ainda que, por vezes, tenha ilustrado o tema sobre que discorri com a minha experiência pessoal e os conhecimentos que advêm da universidade da vida, tal como fiz nos meus últimos "estados", respondendo à bisbilhoteira pergunta da máquina: "que estás a pensar?"
Neste meu afã de lidar com letras e com pessoas de letras (tão raras por estas bandas), as letras que mais gostei de escrever, envolvendo a minha pessoa, foram aquelas que, há bem pouco tempo, "postei" no mural de um amigo, aqui, no Facebook com o título GRATIDÃO, um sentimento que muito prezo, pois acho a INGRATIDÃO uma atitude humana execrável. Eu, aos 74 anos de idade, senti-me muito feliz a escrever esse texto, pois eram palavras há muito sentias e devidas publicamente a esse amigo, PROFESSOR da Universidade de Coimbra, que, há muitos anos, não nos conhecendo nós pessoalmente de lado nenhum, ele, sem me perguntar quem eu era, donde vinha e para onde ia, produziu publicamente "juízos académicos" sobre alguns livros meus, valorizando-os, o que muito me sensibilizou e honrou.
Julgo até ser essa a dimensão humana que dá distinção e gabarito a uma pessoa de "pensamento", uma pessoa que não banca a intelectual e que, servindo-se das LETRAS, reconhece o mérito onde o há, incapaz de cometer a INGRATIDÃO de ignorar, ou fingir ignorar, os créditos e os méritos que encaixam na bitola de valores pela qual afere o trabalho alheio e o seu próprio.
Semelhantemente, nessa linha de pensamento e acção, atento ao meio que me rodeia, senti-me igualmente feliz e humano, quando, há muitos, muitos anos, deixei em letra redonda, o mérito que vi nalguns trabalhos publicados, a falarem do Montemuro e suas gentes, sem olhar ao nome e assinaturas dos seus autores. Aconteceu ter escrito até algumas dessas minhas apreciações valorativas, antes de conhecer pessoalmente alguns deles, o que,aliás, releva a objectividade da minha análise. Valorizei o trabalho pelo seu valor intrínseco e não empurrado pela subjectividade da amizade, esse sentimento humano sempre traiçoeiro, capaz de empurrar para o elogio fácil e enganador, que bem pode surtir efeito contrário ao "reforço positivo" de Skiner, no sentido de ajudar as pessoas a ganharem confiança em si próprias e aperfeiçoarem os trabalhos que produzem.
Procedi assim impelido pela honestidade intelectual que, por caracter e formação, me impus a mim próprio. Não o fiz para ser agradável com os seus autores, pois não sou nada dado a palavras e discursos de conveniência, destituídos de verdade e autenticidade, tão ao gosto de pessoas que incham com elogios fáceis, hipócritas, sacristas, cruz alçada, desvanecidos com loas e ladainhas que anunciam à distância a procissão que passa.
Pois é, dos muitos quilómetros de linhas escritas que, durante anos, deixei impressas nos jornais e nos livros, falando da minha terra, da sua cultura e das suas gentes, diferentemente de outros que por aí se passeiam e perdem na flora montemurana, nunca confundi " toda a planta com orégãos" para usar a ironia daquele médico de Sines, em 1850, Francisco Luiz Lopes, referindo-se aos clínicos da capital, dizendo que eles ignoravam completamente as plantas medicinais que os rodeavam e com as quais se faziam os fármacos. (cf. «Breve Notícia de Sines», 1850, pp. 78)
É tudo uma questão objectividade, de estatura, moral, humana e ética (não só poética) face ao nosso semelhante e à qualidade da produção intelectual publicada. As LETRAS não são TRETAS e o papel delas é estarem viradas para CULTURA dos povos, do crédito e mérito dos trabalhos produzidos e não apenas para o CULTO do umbigo daqueles ou daquelas que com letras lidam e, numa atitude narcísica, mais não vêem que a si próprias.
1 -AUTO DO VAQUEIRO
A plateia não acredita nisso, apupa-os, dá pateadas no soalho, exibe cartazes mandando-os para a rua. Face ao pateado, um deles, muito a custo, bate em retirada, reconhecendo em testamento, feito no seu juízo perfeito e "atempadamente", que não podia continuar no auto, pois não acertava uma no papel que lhe foi distribuído. Com "gag" atrás de "gag" deixou o lugar vago que foi imediatamente ocupado por alguém especialista em finanças, que não podia alegar virgindade nos contratos "swaps". Foi então que, num repente, outro dos protagonistas, sabido que se farta, habituado a contorcionismos vários, bateu com a porta, recusando-se a representar ao lado de tal figura. A triste figura. Foi o aqui d'el Rei. Era o fim da farsa.
No dia 16 do mês passado "postei" aqui, neste meu espaço, um texto sobre a CENSURA, texto que tinha publicado no mensário "Lamego Hoje" do mês de Setembro de 1987. Fi-lo por razões que respeitam ao que se vai por aí dizendo e praticando, nestes tempos, relativamente à expressão livre e responsável do pensamento.
Também já deixei neste meu espaço uma referência à urticária que me causam aqueles que, nos blogs, se refugiam no ANONIMATO para exprimirem as suas opiniões, com o receio, diz-se por aí, se serem perseguidos, caso se identificassem com os nomes próprios.
Mas já mostrei, também aqui, que começava a compreender e a ter uma certa simpatia por esse seu resguardo, uma vez que, conhecendo eles a MENTALIDADE dos que detém o poder, das duas, uma: ou recorrem ao anonimato para poderem dizer o que pensam sem receio de serem perseguidos, ou ficam calados, surdos e mudos, para não serem incomodados.
1 - Já começaram a aparecer nos lugares estratégicos da vila, nos cruzamentos das estradas e aldeias, os CARTAZES com as palavras de ordem e as fotos dos candidatos autárquicos. E também já começaram a achegar às caixas dos correios dos munícipes alguns "desdobráveis" com as "promessas" que eles dizem cumprir, caso venham a ser eleitos.
2 - Como ainda não desisti do exercício da minha cidadania, que não apenas meter o voto na urna de 4 em 4 anos, quero deixar aqui matéria para reflexão de todos os candidatos, a fim de nenhum deles poder dizer que a ignoravam. É matéria que eu já trouxe a público, quer através de escritos, quer através de vídeos colocados no Youtube, mas nunca é demais "bater em ferro frio", tanto mais que se trata de matéria de relevante interesse para o concelho. Matéria de interesse público. De que se trata?Aí vai:
PRIMEIRO
P'ra que toda a gente veja
O pinheiro de S. João
Esta velha tradição
Que se mantém em Fareja
Esta quadra, que figura, anónima, no painel de azulejos colocado na sede da Associação Recreativa e Cultural de Fareja, é da minha lavra e sintetiza uma velha tradição desta aldeia.
Ontem, dia 23 de Junho, cumpriu-se, mais uma vez, parte dela. Foi a «erguedela do pinheiro». Essa tradição está dividida em três partes, que são a) corte, derrube e transporte do pinheiro; b) descida do pinheiro velho; c) erguedela do novo. Toda ela consta no Youtube, em três vídeos que lá coloquei. Neles poderá o leitor «admirar» o volume do pinheiro e as técnicas artesanais utilizadas na tarefa.