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segunda, 24 março 2025 15:22

GENTE DA TERRA - LINO MENEZES

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GENTE DA TERRA - LINO MENEZES

Em 1993 (quanto tempo lá vai, senhores!) escrevi uma crónica no «Notícias de Castro Daire», onde, pela primeira vez,  falei de LINO MENEZES. Em 29 de janeiro de 2016, data mais próxima, publiquei no meu site “trilhos-serranos.pt um texto relativo ao mesmo cidadão, repescando a crónica a que aludi, cujo link anexo em rodapé, por forma a que aqui deixe, situado no tempo, um testemunho público do apreço que sempre tive e tenho pelos SABERES demonstrados publicamente em prol da comunidade, por cidadãos que, por força de circunstâncias várias, se viram dispensadosdos DIPLOMAS ACADÉMICOS  INSTITUCIONAIS,  carimbados com o selo branco dos liceus e universidades nacionais. E, sem tais credenciais burocráticas outro remédio não tiveram senão ESGADANHAR A VIDA com a honestidade e honradez exigidas pela comunidade em que se integravam.

PRIMEIRA PARTE

linoÉ público e notório, pois,  esse meu apreço. Tenho dado provas disso em muitos dos meus textos publicados e vídeos alojados no Youtube,  calcorreando a serra e povoados, valorizando sempre o SABER-FAZER das NOSSAS GENTES, camponesas e vilãs,  dispersas por este pedaço de Portugal, ainda que, às vezes, com esforço  meu, arranque a um pastor, um agricultor, um comerciante, um camponês, um sapateiro, um aldeão, o seu assentimento à recolha e divulgação dos seus SABERES DE VIDA, receosos que estão do baixo grau de escolaridade que possuem, dizendo:me: “pois está bem, mas olhe que isto não vale nada”.  Tal é (ou foi) o complexo da “doutorice” entranhado  nas nossas gentes e o convencimento de que só é sabedor, só deve ser ouvido, “quem vai a Coimbra e vem”.

Pois é. E, tal como o bugalho serve para comecilho de novelo, para começo  de conversa, lembro aqui a atitude daquele mrnino de 14 anos de idade, protagonista que Camilo Castelo Branco colocou nos “Mistérios de Lisboa I”, aquele que não queria saber do “latim, da lógica, dos livros e da ciência”, pois tinha como modelo da vida a liberdade da amdorinha que, a seu gosto e vontade, traçava livremente os ares, sem necessitar de ler Cícero.

Certo. Só que a maioria dos cidadãos portugueses, nados e criados neste “jardim à beira mar plantado”, herdeiros históricos de uma longa monarquia, de uma curta república e de uma longa ditadura, na maioria analfabetos e semi-analfabetos, desde o berço sabiam o que era uma aguilhada, o cabo de enxada, as  mãos cheias de calos e, com escolas, liceus e universidades por longe, cortadas tinham as asas para se elevarem em tão aéreas e filosóficas congeminações. E ainda que muitos deles sonhassem alto, o peso da enxada, da charrua e do arado celta, fosse numa vessada, fosse numa decrua, puxava-os para a terra, não os deixava voar, subir aos céus, como a cotovia e a andorinha que eles também observavam e admiravam. Isso era para pensadores, escritores e poetas de alvos punhos, colarinhos e peitorais folhados e rendados.

Rústicos, campesinos ou vilãos, tiveram de fazer pela vida a granjear a terra, nas oficinas, nos balcões de mercearia, tavernas, estalagens e casas de pasto, por esses poviléus fora, sempre ajudados pelos animais nos trabalhos agrícolas, carretos e deslocações. E, sem falta, cumprirem os preceitos religiosos segundo os ditames da Santa Madre Igreja.

Tiveram  de APRENDER A SABER-FAZER e a FAZER SABER, com o grau de escolaridade alcançado. E, com essa artelharia escolar básica - saber ler, contar, somar e dividir - darem-se por felizes e transmitirem felicidade e entretenimento aos seus semelhantes, porventura, menos imaginativos e criativos. 

capa-LINOcontracapa-linoE foi nesta situação que vim  a conhecer o cidadão LINO MENEZES, a sua esposa e tantas outras pessoas que tive a felicidade de, chegado a esta idade, os ter ainda por amigos e cultivarmos uma consideração recíproca. 

Aconteceu, depois do meu regresso ao concelho de origem, após longos anos fora dele, no esforço de  ganhar a vida sem fazer calos nas mãos e contrariar o preceito bíblico “comerás o pão com o suor do teu rosto”. Nem todo o versículo bíblico deve ser levado à letra e eu, sempre duvidoso de sentenças divinas, dando asas aos meus instintos e vontade, cavei de CUJÓ, disposto e decidido a usar ferramentas distintas daquelas que me ensinaram a usar e, mesmo que desdobrando-me em trabalhador-estudante, cavar as hortas académicas da literatura, da história, da poesia, do pensamento. As hortas e as leiras onde, ainda hoje, às mãos cheias, não de milho, nem de centeio, semeio prodigamente afetos e ideias, com profundo respeito e consideração por todos os que ficaram de enxada na mão. Coisa justa, pois sei, por experiência, o que custa fabricar pão. 

Foi no salão dos BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DE CASTRO DAIRE. Estava em palco  a peça ANTÓNIO MARINHEIRO, de Bernardo Santareno. A responsabilidade da sua “representação” devia-se ao grupo GIESTAS DO MONTEMURO, então, sob a orientação de LINO MENEZES. (Cf. Link em rodapé)

SEGUNDA PARTE

livrolivro lino-LIVRO0000Passados anos, o Governo Português, face à má figura que faziam as nossas estatísticas escolares junto dos restantes países da Europa, espaço geográfico onde estávamos integrados, resolveu criar o PROGRAMA DAS NOVAS OPORTUNIDADES, visando  “qualificar com diploma” e tudo, quem o quisesse e pudesse frequentar. E, com tanta gente analfabeta, semianalfabeta ou analfabetos funcionais, foi um ver se te avias. Toda a gente correu em busca de um diploma, da certificação dos seus SABERES DE VIDA.

Tanta gente a ser assim diplomada, fez que o PROGRAMA fosse acusado de facilitismo, conduzindo, primeiro, à sua    REFORMULAÇÃO e, depois, à sua EXTINÇÃO  

Mas, para efeitos de «QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL» necessário era reconhecer institucionalmente os MÉRITOS  de quem quisesse valorizar-se academicamente falando, sucedeu-lhe o PROGRAMA RVCC, tal qual se define online. Assim:  

« O Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) é um Processo que pode permitir a obtenção de certificados equivalentes aos 4º, 6º, 9º ou 12º anos de escolaridade. 

A Certificação tem por base, não só os conhecimentos académicos adquiridos na escola, mas também os conhecimentos adquiridos ao longo das experiências de vida profissionais, sociais e pessoais dos candidatos. O  principal objectivo do Processo RVCC, não é ensinar, mas sim validar e certificar as competências adquiridas ao longo da vida”

TERCEIRA  PARTE

Ora, habituado à luta, Lino Menezes com tantas provas dadas no trabalho e nas artes, arregaçou as mangas e toca a frequentar o curso, não tanto para se tornar  possuidor de mais um diploma, de entre tantos que já tinha angariado no seu percurso de vida, mas com os objetivos que ele próprio define no livro (capa e contracapa ilustrada com desenhos do meu colega Augusto Soares)  em cujas páginas somou e deixou para os vindouros, a meada de experiências e valores cada vez mais esquecidos. Assim:  

«Inscrevi-me no RVCC para tentar obter uma maior qualificação enquanto indivíduo e cidadão: a conclusão de um percurso escolar que, por motivos de força maior me foi impossível concluir; e o enriquecimento dos meus conhecimentos, que me darão ferramentas para assim poder exercer a minha profissão com mais eficiência e segurança».

E, acabada a tarefa, LINO MENESES junto mais um  DIPLOMA  aqueles que, zelosamente, guarda numa pasta com o esmero de um guarda-livros.  Ei-lo:

lino-diploma

link da crónica «Antonio Marinheiro»

 http://www.trilhos-serranos.pt/index.php/cronicas/351-teatro-giestas-do-montemuro.html

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.