ELEIÇÕES
No dia 03/11/2020 postei no mural do meu Facebook a versalhada que se segue ilustrada com um daqueles canários de barrete, tipo rufia de bairro ou líder de gang. Assim
PRIMEIRA PARTE
RUFIA
Empoleirado
Rufia
Na postura
E no penteado
Chegou a altura
Chegou o dia
Do poleiro ser apeado.
E eu
Que detesto rufias
Na terra e no céu
Por outra figura
Puxo.
E mesmo sem ser bruxo
Aqui digo, solenemente
Que o rufia já perdeu
E isso me deixa contente.
Abílio/3/11/2020
SEGUNDA PARTE
Entretanto, enquanto se aguarda a verdade dos números cansativamente refletida em mapas, encarnados, azuis, gráficos, tudo o mais conexo ao duelo final e em tudo o que é comunicação mundial, entretenho-me deliciosamente com o clássico western:
ACONTECEU NO OESTE

«Chien...chiam...chiem... chiam...» câmara de filmar virada para a ventoinha do engenho que faz subir à superfície a água das profundezas, algures na terra do tio Sam. Aconteceu no oeste. Um western clássico que «chiem...chiem...» início tem numa a tosca estação ferroviária, onde um pistoleiro de má cara (um paradoxo) não faz mal à mosca que o importuna e zumbe e poisa no seu rosto. Com pontaria e fortuna consegue metê-la no revólver, põe o dedo na boca do cano e, a sorrir, diverte-se a ouvir, o zumbido do inseto prisioneiro. Um pistoleiro. Um matador, que “não faz mal a uma mosca”. Em redor, tirando o zumbido dela, só o «chiem...chiam”…» da ventoinha no seu afã de encher o depósito destinado a saciar a sede da locomotiva quando ela chegar com gente e bagagens em busca do desconhecido.
Aconteceu no oeste. Um teste à paciência, à sensibilidade e à inteligência humanas. Uma coboiada. Uma longa-metragem, onde um taberneiro, poeira por todos os cantos, cigarrilha preta ao canto da boca, olhos esbugalhados, encantados com os encantos de Cláudia Cardinale, a passageira recém-chegada de Nova Orleãs, depois de um tiroteio de meter medo (outro paradoxo), diz-lhe ter família nessa cidade, mas prefere o sossego do campo. Um espanto. Depois de tal zaragata entre pistoleiros....prefere o sossego do campo.
E a sensibilidade e carinho do pistoleiro Cheyene, face ao drama da ex-prostituta tornada dama e viúva, a gabar-lhe o bom café que ela fazia e a dizer-lhe que ela lhe fazia lembrar a mãe, outra prostituta que, de certeza, teria o feito seu pai muito feliz no momento em que foi gerado.
Sozinha, marido e família assassinada, num areal que o marido, um cliente do bordel onde ela serviu, comprou por tuta e meia, sabedor dali existir água que não existia num raio de muitos quilómetros e, por isso, um dia lá passaria a linha dos caminho-de-ferro. E, a ser assim, ele ciente estava de ser compensado das carências sofridas naquela terra árida sem vivalma. Era o sonho que, a lei da bala fez ir água abaixo, à mão de pistoleiros sem escrúpulos ao serviço do empresário construtor da linha, o senhor «POUCA-TERRA».
E este empresário da ferrovia, apoiado nas muletas por causa da moléstia que os ossos lhe corroía e tolhia o andar, mas não o sonho de ver o Atlântico e o Pacífico ligados pelos carris do progresso que ele via e escutava na fotografia que o acompanhava e pendurada estava no seu escritório, uma das carruagens da grande lagarta movia a vapor.
«Aconteceu no Oeste». Muitas peripécias de entretenimento e de pensamento. E aproxima-se o “THE END” com o empresário, sem muletas, a arrastar-se na lama para uma poça de água que existia ali perto, onde deu o último suspiro a ouvir o marulhar das ondas do mar. Admiráveis sãos fins, condenáveis são os meios. O sonho do empresário terminava ali. Continuaria com outros empresários de ferrovia.

O resto era o duelo, o ajuste de contas entre o “harmónia” - Charles Bronson - e pistoleiro que, com um enforcamento, puxou pela ponta do fio que se estende ao longo de toda a narrativa - Henri Fonda.
Ambos no terreiro, olham-se frente a frente e respeitam o código de honra, entre pistoleiros. Ninguém atira à traição. O que sacar mais rápido e acertar no adversário é o ganhador.
«Aconteceu no Oeste». Uma saga humana. Um desafio à paciência, à sensibilidade, à inteligência. E, de permeio, os crimes e as atitudes sacanas de todos os westerns, tiroteios e cavalgadas.
Gosto de coboiadas, sobretudo daquelas que me fazem pensar e incorporar o sonho dos protagonistas, por necessidade, por aventura, ir mais além, gosto do desconhecido de tudo o que escapa às nossas vistas. A subida do Missuri. A caminho de Oregon. A serra Nevada. Nebrasca. Arizona. Califórnia. Geórgia. Pensilvânia. Texas. Saloons. Pistoleiros. Prostituição. Jogatinas. Bebedeiras de caixão à cova. Alasca, gente honrada, gente rasca. Gente séria, gente vil. Nomes de renome na história por bem e por mal. A guerra civil, o nascimento de um país, a chegada de colonos, de todas as cores e religiões. Escravos, homens livres e índios a serem expropriados dos seus territórios ancestrais, metidos em reservas. Registos inglórios da história, catervas deles, mas registos dos vivos que seguem e dos mortos ficam enterrados sinalizados com a Cruz de Cristo.

Falo dos Estados Desunidos da América. Das Terras do Tio Sam. E ouço a ventoinha do engenho de tirar água “chiem...chiam...chiem...chiam...” do western que me desenfastia dos números das eleições e da pandemia.
E vejo uma grande senhora, a viúva e bela Cláudia Cardinale dar continuidade à ESTAÇÃO DE CAMINHOS-DE-FERRO sonhada pelo homem que, arrancando-a de um bordel, com ela casou e dela fez uma dama e uma empresária.
TERCEIRA PARTE
O RUFIA 2
Chriu...chriu...chriu
O rufia
No falar, na postura
E no penteado
E no andar
Caiu
Do poleiro.
Poetei eu sem engano.
E era precisa muita sandice
Deixar como estadista
Quem tanta asneira disse
Fiado na sua crista.
Sem cultura
Buçal, grosseiro
Arruaceiro
Que povo sendeiro
Podia manter no poleiro
Tal criatura?
Nunca, alguma vez
Em qualquer quadrante
Do mundo civilizado
Se viu tanta insensatez
Num governante
Emproado.
Caiu.
É a democracia.
Mas não caiu
Desamparado
Como se previa.
Não foi aos trambolhões
Não.
Se calhar
Valeram-lhe os apalpões
Que deu
Ou de que foi acusado
Como se viu
Ouviu
E leu.
E eu
Que gosto de coboiadas
Vejo, enfim
Que outros com’amim
De semelhantes gostos
Que pagam os impostos
Se cansaram de charadas
De mentiras e trapaças.
E fossem direitos ou canhotos
Todos e cada um
Em vez de balas
E ameaças
Pum...pum...pum...
Com selo e sem selo
Em presença
Ou pelo correio
Venceram o duelo
Com falas
E votos
Sua pertença.
Mas não acabou o receio
E o medo.
O rufia
Direito que nem torre
Com manha
Porfia
E recorre
Aos tribunais
Pois democracia
Só é democracia
Quando se ganha.
Nas ruas há grande tensão
Gritam batalhas perdidas
Mas lição
De emocracia é que não
«Chien...chiam...chiem...chiam…»

Abílio/07/11//2020