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segunda, 24 março 2014 18:19

TRIBUNAL DE CASTRO DAIRE (15)

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DA FICÇÃO À REALIDADE

PARA UMA MELHOR JUSTIÇA (15)

 9.3- A EIRA/CAMINHO

Tudo isto porque, tantos anos depois dos AA fazerem uso do caminho através da «eira» para o logradouro e quintal existentes nas traseiras da sua moradia, os RR acordarem da profunda hibernação e, com APOIO JUDICIÁRIO, não obstante possuírem os bens materiais que se enunciaram em tempo próprio, resolveram, mais rigorosamente, o R. marido resolveu opor-se à passagem com a ameaça reportada nos autos: «quem passar qui sem a minha autorização, cai».

Acontece que o espaço designado por «eira», nos autos, era também «caminho» e convém escalpelizar um pouco este conceito, já que me pareceu, quer nas conversas que tive com o meu advogado, quer na abordagem feita pelos juízes da primeira e segunda instâncias, quer na legislação invocada, que o assunto merece alguma reflexão por parte do legislador e dos intérpretes das leis. Parece-se ser um caso flagrante que as leis não contemplam por ignorância ou desfasamento da realidade camponesa, objectiva e vivida quotidianamente.
De facto foi dito pela testemunha Leonel, ao ser interpelado sobre a venda da «eira» à D. Nazaré, pouco antes de ter vendido a casa, logradouro e quintal aos AA, que sim senhores, tinha vendido a «eira», mas não tinha vendido o «caminho».

Com efeito, em qualquer dicionário rudimentar da Língua Portuguesa, o significado de «eira» é um espaço onde se «malham e estendem os cereais e se secam os produtos agrícolas». Conceito tipicamente rural, ligado aos tempos das colheitas em que a agricultura era a principal fonte de riqueza e sustento, é conceito que não oferece dúvidas ao camponês que do campo conhece as suas lides e o seu léxico. Pode ser um espaço privado, de herdeiros, particular ou público, mas sempre de uma ocupação sazonal.

Tribunal- Eira-AurélioOra, no caso presente, para além dessa ocupação sazonal, o mesmo espaço, sendo particular e de herdeiros, teve e tem a função permanente e secular de «caminho», donde resulta existir ali um só espaço e duas funções: a primeira sazonal e a segunda permanente. Daí que a da D. Nazaré, nunca se tenha oposto à passagem do vendedor e à passagem dos AA depois da aquisição por estes da casa de habitação, logradouro e quintal. E foi seguindo esta realidade e raciocínio (um espaço, duas funções), mesmo que não plasmado na legislação respeitante a servidões (matéria super escalpelizada pelos Mestres de Direito, tanto quanto me apercebi da leitura dos autos) que o meu mandatário, despertado para o facto e aceitando os exemplos que lhe forneci de realidades similares resultantes das minhas investigações históricas sobre eiras, no sentido de levar quem de direito a reflectir sobre esta matéria, argumentou, depois de ter sublinhado que o senhor Leonel, tal como disse em audiência, tinha vendido a «EIRA», mas não tinha vendido o «CAMINHO».

 E neste item, redigido pelo meu mandatário (não incluindo o conceito de um só espaço, duas funções) se levanta, de novo, e pertinentemente a questão do APOIO JUDICIÁRIO. Alegaram os RR. fazerem uso da eira colocando e secando ali os seus produtos agrícolas. Que produtos? Qual a sua proveniência? É certo, notório e público, que eles, para além de possuírem a casa onde habitam, ao lado nascente da eira e outra ao lado poente, possuem dois automóveis, uma mota de alta cilindrada, dois tractores, respectivas charruas e demais peças ligadas a tal maquinaria. E se tais máquinas agrícolas possuem é certamente porque lhes fazem falta e lhes dão uso na produção agrícola. Face a estes «teres e haveres», como se justifica o apoio judiciário?
Uma das testemunhas arroladas na defesa dos RR, a saber, José Carlos Ferreira da Silva, natural e a residir em Fareja, respondendo aos quesitos 17º  e 18º, interpelado pelo advogado dos RR sobre o uso que estes faziam da eira, nomeadamente, se eles punham lá «lenhas e pasto», a testemunha respondeu que «passa por lá com matos para os animais». Mas vamos ao discurso directo e em síntese:

- Advogado: O senhor António tem lá também animais?

- Carlos: tem, tem!

- Advogado: é nessa eira onde põe o pasto e tira o estrume?

- Carlos: sim, sim

- Advogado: Faz isso à vista de toda a gente, não o faz às escondidas?

- Carlos: claro.

Conheço a testemunha pessoalmente, tal como conheço os irmãos e tal como conheci o seu pai, o «tio Filipe», um dos mestres carpinteiros que trabalhou na reconstrução da minha moradia. A ele se deve as medidas dos degraus da escada que do primeiro assoalhado sobem para as águas furtadas.
Quando o José Carlos, confirmando as perguntas do advogado (respostas claramente induzidas) disse que os RR punham na eira matos e mais animais e ali guardavam pasto e tiravam o estrume, só não dei uma gargalhada por respeito ao tribunal. É que animais ali, de que os RR eram e são proprietários, só os cães (três ao todo, espero que não lhes falte alimentação) e os cavalos das máquinas agrícolas, dos dois automóveis e da mota de alta cilindrada. E, que eu saiba, nenhum deles engole palha ou feno, para puxarem as charruas, ou rodarem no asfalto. E deixo o «estrume» de lado, porque esse algum haverá no meio de tudo isto. Os cavalos dos carros que, nos quatro anos do percurso do processo (2010-2014), foram mudando de marca, o último é um AUDY A4. Eles, os RR, com APOIO JUDICIÁRIO, a passearem-se num VW PASSAT e AUDY A4. Eu a passear-me num Hyundai i.30. E a Troika sacou-me parte da aposentação por eu «viver acima das minhas possibilidades».

Pois é. Aconteceu isto no Tribunal Judicial de Castro Daire, agora transformado numa «Secção de Proximidade», apesar das movimentações políticas e socioprofissionais que se fizeram contra o seu «encerramento». Postaram-se comentários infindos nos «murais» do Facebook. Fizeram-se manifestações públicas protagonizadas pelo Presidente da Câmara, Fernando Carneiro, e pelo representante da Ordem dos Advogados, em Castro Daire,  João Sevivas. (cf. vídeo que fiz e alojei no Youtube, link  http://youtu.be/sy0O1jW6jEk)

Tribubal- João SevivasNCD529 de 10-02-2013p-7E verdade seja dita que o representante da Ordem dos Advogados, em Castro Daire, João Sevivas, se mostrou muito empenhado e activo, não só nas deslocações que alega ter feito a Lisboa, mas também nos artigos publicados na imprensa local, ora assinando como representante da Ordem, ora com o seu nome, pura e simples.
E foi com o seu nome, pura e simples que, João Sevivas, nessa luta inglória contra o encerramento do tribunal, esgrimindo o números de processos movimentados, entrados e saídos, deixou para a posteridade uma peça escrita bem digna de ficar nos ANAIS DE DIREITO e de JUSTIÇA: o apelo à litigância sobre «águas de regas, caminhos e posse de propriedade», para o Tribunal ter processos bastantes e assim evitar o seu encerramento. Ora veja-se, com foto e tudo, um excerto do texto assinado por si e publicado, no «Notícias de Castro Daire» nº 529 de 10-02-2013, p.7:

Ao que chegou a nossa JUSTIÇA. Um advogado, na Casa da Justiça, a alterar a palavra de uma sentença para melhor levar a água ao seu moinho e outro advogado,  o representante da Ordem dos Advogados, a apelar à litigância entre vizinhos para engrossarem o número de processos num tribunal em que uma simples acção de «servidão/reconvenção», entrada no ano 2010, só foi resolvida em 2014. Se havia tão poucos processos, ao ponto de um Tribunal virar uma «Secção de Proximidade», justo é perguntar sobre o desempenho de cada um dos responsáveis que ali trabalhavam. Ou não será legítima esta pergunta?

(CONTINUA)

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.