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sexta, 01 maio 2015 09:23

AQUILINO - NO "ROYAUME DE LILIPUT"

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Aquando da publicação do CATÁLOGO DA BIBLIOTECA DE AQUILINO RIBEIRO discorri sobre a obra do MESTRE e publiquei no "Notícias de Castro Daire", de 10-02-2005 e no «Boletim da Fundação Aquilino Ribeiro», no mesmo ano, um extenso texto do qual, muito a propósito, passados todos estes anos, atento às iniciativas sobre a divulgação da sua obra,  destaco o seguinte excerto, adaptado aos dias de hoje. 

Liliput-1

E passados estes anos todos, olhando em redor, sou forçado a retirar das estantes da minha biblioteca doméstica dois livros cuja fotografia aqui deixo, um sobreposto ao outro. O maior, com o título "ARTES E LETRAS", tem 193 páginas e 33 x 25 cm de medida. O mais pequeno (capa azul) sobreposto ao maior, é o dicionário "LILLIPUT", tem 639 páginas e 05 x 04 cm de medida. Cabe na palma da mão de uma criança. Face às fotos, os meus amigos pouco familiarizados com MESTRE AQUILINO, que, se calhar, nunca viram o dicionário "LILLIPUT", apreciem o DIAMANTE lapidado com aparo de aço, transcrito mais abaixo ilustrado com as fotografias dos livros e de dois Globos Terrestes.

Republicano, batendo-se pela implantação da República, logo o país ficou infestado de «reinóis de taifas», aqueles que, ultimamente, numa Democracia partidocrata, em infindáveis reinados, se sucedem a si próprios legitimados pelo voto. Outros há que, de longe em longe, como convém para não popularizarem o seu estatuto, resolvem deixar os paços urbanos em que residem, para visitarem os seus rústicos domínios na província, onde vassalos e tamborileiros se apresentam a exibir as suas colgaduras, na tradicional, costumeira, agradecida e servil vénia aos senhores, já sem direito de aposentadoria.

 Liliput-1Viajar, com o Mestre, até ao Royaume de Liliput e absorver, gota, a gota, a ironia posta na sua descrição magistral, lá em França, cá em Portugal, em todo o lado onde se possa vislumbrar a Lilipucia de Swift: numa ilha perdida no meio do mar, ou numa veiga lavradia entre pinais, soutos e carvalhedos. Assim: 

 «Em volta uma muralha, frágil, mas feudal, quanto à investida de estrangeiros. Lá dentro no hameau é-se uma torre, é preciso amputar as nossas dimensões, adelgaçar a voz para falar de liliputianos, reduzir as ideias do tamanho de nozes ao tamanho de avelãs ou caroços de cereja (...) Deus, grande Deus, porque não fizeste o nosso mundo mais liliputiano ainda, e não nos deste um hameau nos teus Campos Elíseos? Da nossa pequenez, da nossa miséria, dos nossos risos e beijos poderias ter feito o espectáculo da tua corte altíssima: seria o enlevo teu e a beatitude nossa! Seríamos obedientes à tua divina graça sem precisão do Decálogo, nem de Voltaire, nem da Filosofia. Amaríamos, daríamos cambalhotas e o raio visual da tua grandeza não toparia Eva a engolir a maçã, nem Caim a matar Abel» (Páginas do Exílio)g


Soutosa4Assim mesmo. Um escritor na sua plenitude. Livre, crítico, «independente», «original» e «bárbaro», um escritor que se vangloriava de nunca ter sabido «o que era a servidão aos preconceitos, ao poder, às classes, nem mesmo ao gosto do público». Ele mesmo, ele próprio, a meter a gazua no petrificado edifício das mentalidades e a esforçar-se por esboroar os valores e poderes institucionalizados.

Não. Não sou aquiliniano no sentido académico do termo. Não tenho saber nem talento para o ser. Não gravito em torno das capelinhas académicas que, pelos «rossios» e palcos das instituições citadinas, vão ocupando os seus neurónios no estudo e explicação do ideário e obra do Mestre. Rústico, solitário, qual lobo ibérico em vias de extinção (onde é que eu já disse isto?), contento-me em «uivar» aqui para as bandas do Montemuro e da Nave. E, no soalheiro das suas encostas, envolvido pelo aroma do rosmaninho, pelo sussurrar dos ribeiros e rios, pelo silvo penetrante do milhafre nas alturas, asas abertas a querer abraçar o mundo, pelo assobio dos ventos frios, livres e bravios, qual divindade invisível a despertar-me os instintos, as leituras e as analogias, tenho para mim que o Aquilino original, autêntico, republicano, revolucionário, anticlerical, impregnando as suas obras de erotismo, de prazer e de vida, de crítica à hipocrisia social, é bem diferente do Aquilino mediatizado, sobretudo quando a mediatização é feita por aqueles que, católicos, apostólicos, romanosébrios de áuga benta,canonicamente, de joelhos e submissos aos valores e poderes que ele próprio combateu, se apresentam como lídimos cultores e divulgadores da sua obra.

globo-2Redz

 https://youtu.be/KpQ1GI8oqTs

 

 

Nota: excerto do texto publicado em 2005 no jornal "Notícias de Castro Daire" e no "Boletim da  Fundação Aquilino Ribeiro".

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.