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sábado, 13 fevereiro 2016 21:51

REGIONALIZAÇÃO

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TUDO É ÓBVIO E BÁSICO

Na década de setenta do século XX, eu e a minha mulher éramos professores de História e Geografia em Lourenço Marques (hoje Maputo). As turmas eram uma mistura de alunos brancos, negros, mulatos, indianos e alguns chineses, uma amálgama das etnias que, ao tempo, habitavam aquela cosmopolita cidade do Índico. Os compêndios eram iguais aos usados nas escolas de Portugal Continental, pois portuguesa era tida aquela cidade e portugueses quase todos os seus habitantes. De acordo com os programas oficiais de História e Geografia (unidas no mesmo compêndio) os professores debitavam para os alunos, em geral, as características do relevo de Portugal, altitude das serras, riquezas mineiras e vegetais, rios, clima, linhas férreas, demografia, desequilíbrio demográfico entre o LITORAL/INTERIOR, apesar de SER ÓBVIO E BÁSICO que isso dizia pouco ou nada aos alunos negros, mestiços e indianos.

Regressado à " metrópole" depois do 25 de Abril, por força da descolonização, prossegui a minha missão de professor e os compênldios de História e Geografia desdobraram-se, agora, em Estudos Sociais e História, mas neles figuravam os mesmos mapas com as cores convencionais a marcarem a orografia, a altitude, as bacias hidrográficas, e sempre, sempre o desequilibro demográfico entre LITORAL/INTERIOR, realidade que, para o professor desatento e acrítico, se devia ao "fado" e à má sina de, logo à nascença, um transmontano, um beirão e/ou um alentejano se verem de mala aviada a caminho de Lisboa e arredores, a caminho do Porto e arrabaldes, a caminho do LITORAL, quando não a caminho da "estranja", sacrificando afectos a locais e pessoas, a fim de ganhar a vida para si e para os seus. Face a esta realidade, tão ÓBVIA E BÁSICA que ela era e é, alguns estudiosos e políticos, cientes de que o "fado" nada tinha a ver com isso, mas que tal se devia às políticas centralizadoras cozinhadas e temperadas no Terreiro do Paço ao longo dos tempos, puseram-se a fazer estudos sobre a REGIONALIZAÇÃO com vista a suster a hemorragia secular que vai desertificando e matando parte significativa do território. Produziu-se literatura política, técnica e administrativa bastante para que isso fosse levado a efeito. Pôs-se o assunto em discussão pública. Acirraram-se os ânimos entre os "prós" e os "contras". Eu, tendo presente o que era ÓBVIO nos básicos compêndios do Ciclo Preparatório, em Moçambique e em Portugal (que distância esta no tempo e no espaço!) defendi a REGIONALIZAÇÃO em artigos vários publicados na imprensa. "Aqui d'el-Rei"' barafustaram os que estavam "contra". Portugal ia ser fatiado, perdia coesão geográfica, política e social, ignorando que Portugal já fatiado estava. Mas esses mesmos que estiveram contra a REGIONALIZAÇÃO (nos moldes em que publicamente foi discutida) andam por aí agora a lamuriarem-se da perda dos Serviços de Saúde, dos Correios, das Juntas de Freguesia, dos Tribunais e coisas mais que não rimam em nada com a tomada de posição que assumiram então. E, coisa ÓBVIA E BÁSICA, as editoras dos compêndios escolares, respeitando os conteúdos programáticos oficiais, continuam a colocar no mercado livros com os mesmos mapas, as mesmas cores convencionais, os mesmos gráficos demográficos e os professores a mostrarem aos seus alunos dois Portugais, o do LITORAL e o do INTERIOR. Eles não são filhos do "Fado".

NOTA: publicado no Facebook em 13 de fevereiro de 2013

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.