Trilhos Serranos

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domingo, 13 janeiro 2019 14:03

EMIGRAÇÃO

Escrito por 

EMIGREM

O meu mestre de Português e de Latim, Dr. Francisco Cristóvão Ricardo, a residir no Algarve, invernoso de anos, mas primaveril de raciocínio, continua a prendar-me com pérolas escritas,  “críticas” eivadas de cidadania atenta e humana, tal qual se segue. Texto a remeter para o tempo que o inspirou, eis uma verdade incontroversa, vivida em todo o tempo, por isso aqui a publico:

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«EMIGREM, DISSE PASSOS

Emigrar é o convite mais cruel que se conhece, este convite é separar marido da mulher, a mulher do marido, o pai dos filhos, os filhos dos pais. As dores de emigrar são igualmente repartidas por toda a família, embora na linha da frente esteja o marido e pai, chegar a um país distante e desconhecido tem de procurar um teto para morar, um pão para comer e um trabalho para viver, tu estrangeiro, leva este cimento que preparei até ao 1º andar para o pedreiro continuar a parede que está fazendo, tu, estrangeiro, não és estrangeiro? aqui há franceses e estrangeiros, portugueses não sei o que são, eu sou o empresário mais detestável de St-Just de la Rivière, outros empresários dão meia-hora para os trabalhadores almoçarem, aqui não há direitos, aqui há deveres, e o dever é trabalhar, amanhã traz uma bucha para comeres a trabalhar, não trouxeste nada, toma um bocado de pão e vai levar o balde para o pedreiro do 1º andar, estrangeiro, esquece a tua mulher e os teus filhos, junta-te à Natália, aquela moça que está a olhar rara ti.

emigrantesJúlia voltou para a casa dos pais arranjou um quarto mais pequeno para os filhos, mulher casada sem marido procurou trabalho para não pesar muito sobre os pais idosos e reformados, mas todos os empregadores mandaram dizer que não podiam atender, como é que lhe podiam arranjar emprego,  com esta roupa preta de viúva, com este manto preto  na cabeça, pensou mudar de visual, um pouco de baton, uma cor rósea nas faces, umas olheiras fundas, vestir roupa garrida, mas diriam olha aquela marido fora dia santo na loja.

Júlio, porque não escreves, porque não dizes como estás, se estás bem, se és feliz nessa paris de frança, os teus filhos perguntam por ti, porque não estás, porque não vens, são bem comportados, têm bons resultados escolares, receio que sejas esquecido, eu choro, tenho medo que sem a tua presença, sem o teu exemplo, transgridam, um cheiro a tabaco veio-me do André e da Vera, Júlio, o tabaco e o álcool, se se iniciam, viciam-se, Júlio, o que me angustia e me amargura é saber que encontraste uma Natália que te enfeitiçou e te fez esquecer a mulher e os filhos, é reles, não se faz». 

Fcr, 2019

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.