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sexta, 17 maio 2019 11:06

“CONTOS SIMPLES” de Arménio da Fonseca Sobral

Escrito por 

SABER ESCREVER E CONTAR

27-05-2012 23:16:26

O meu colega, Dr. Arménio da Fonseca Sobral, teve a amabilidade de me oferecer, recentemente, o seu livro «Contos Simples»,apondo nele a gentil dedicatória «para o Abílio, meu colega de muitos anos, com estima e amizade»o que muito me sensibilizou.

O título pode ser enganador, pois, na verdade, sendo «simples» estes contos, para além de muito bem escritos, estão recheados da cultura e da mundividência que o autor neles projectou. E se nós somos «razão» e «emoção», eles contém todos os ingredientes humanos que nos caracterizam como seres racionais, pensantes e emotivos. 

Narrativas situadas nas terras que o autor calcorreou, seja as da Guarda, seja do Montemuro e rio Paiva, à medida que os ia lendo sentia penetrantemente um aroma das obras de Aquilino Ribeiro e de Miguel Torga. Ele era a construção frásica com umas pitadas de latim e de humor aqui e além; ele era os costumes ancestrais a trazerem-me à memória outros tantos vividos por mim também; ele era, no conjunto, pedaços desta grande broa que é a cultura portuguesa raiana e beiroa, captada com a sensibilidade e mestria de quem domina o verbo,  de quem conhece o fruto da árvore linguística a partir da raiz e de quem conhece as pessoas que povoam este interior de Portugal.

Não me enganei no odor que os contos exalavam, do primeiro ao último. E para melhor prova quero deixar aqui a referência ao conto «O Rapazinho Quebrado», assunto ligado a uma crença que atravessou gerações e que não escapou aos olhos, ouvidos e vivências do Arménio, tal como não tinha escapado, em 1929, ao Abade Vasco Moreira, no seu livro «Terras da Beira Sernancelhe e Seu Alfoz», bem como a Aquilino Ribeiro no seu livro «Cinco Reis de Gente» publicado em 1948.

Consistia na crença de que um menino nascido «rendido» seria curado se, cumprindo um certo ritual, fosse passado através de um rasgão aberto, de lado a lado, no tronco de um carvalhiço maleável como aqueles com que o cesteiro faz cestos vindimos.

Deixando os pormenores do ritual, transcrevo somente a lengalenga ligada à passagem da criança de um lado para o outro. Eis a versão do Arménio:

-Toma lá, Maria

-Dá cá, João

-Toma lá, João

-Dá cá, Maria.


Eis a versão do Abade Vasco Moreira:

:Em louvor de S. João

Toma lá, Maria.

-Que me dás, João?

-Dou-te este «quebrado»

Para mo dares são

Em louvor de S. João».

E, por último, a versão de Aquilino Ribeiro:

Aceite, senhora comadre

Este nosso afilhado

Que nasceu são e é «quebrado»

Passemo-lo pelo carvalho

E o milagroso S. João

Nos faça este milagre:

O carvalho vá soldando

E o menino sarando.

E seria assim. Se o carvalho soldasse, o menido ficaria bom. De contrário estaria sujeito a cair nas mãos de benzedeiras, curandeiros e médicos e ficar «quebrado» toda a vida. Era o Portugal de outros tempos. E se calhar de hoje, ainda.E aqui está, graças a estes estudiosos dos nossos costumes, cultura e letras, como, cotejando-os todos,  encontrámos a substância do dito popular, «quem conta um conto, acrescenta ou tira um ponto».

Foram momentos de leitura com prazer e avidez. Ao ler os «Contos Simples» do meu colega e amigo, Arménio Sobral, eu, que não sou nada de encómios, tenho de me render aos ofícios da sua boa escrita, do seu pensamento linear, uso do português escorreito e sobretudo, porque ele me fez voltar à estante e trazer à memória caminhos literários percorridos, há muito tempo, com igual prazer e deleite.

Bem-haja, colega.

 

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Abílio/27-05-2012

NOTA: TEXTO ESCRITO NO MEU VELHO SITE E TRANSCRITO HOJE PARA ESTE NOVO ESPAÇO.

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.