Trilhos Serranos

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segunda, 24 junho 2019 14:53

HINO AO PASTOR

Escrito por 

DEVER DO HISTORIADOR

Em 2009, ainda ninguém, velho ou novo, andava por aí a “arrotar postas de pescada” sobre ROTAS TRANSUMANTES, nem os EXECUTIVOS MUNICIPAIS  pensavam em meter-se nas aventuras de RECRIAR (com ares folclóricos) uma actividade económica ligada aos rebanhos que, vindos das bandas da serra da ESTRELA, desaguavam na serra do MONTEMURO, com PASSAGEM histórica pela vila de Castro Daire...em 2009, dizia eu, fiz o VÍDEO que alojei no YOUTUBE, cujo link anexo no rodapé deste texto para a devida e exigida reflexão de quem se dedica ao estudo da nossa TERRA.

 

LAÇOSEle é um antêntico HINO DO PASTOR, cantado ali, solitariamente por mim, ao vento, no CORGO FORNINHO, terras da Cujó, onde eu e mais o JOSÉ COSTA, o JOÃO DUARTE BERNARDO (ainda vivos) hoje idosos, mas, então, meninos como eu,, “corremos” com um lobo que, fazendo pela vida, procurou nas nossas ovelhas a alimentação que precisava. Mocas agitadas no ar e a gritar o mais que podíamos e sabíamos, ele, o lobo, receoso de nós, uns fedelhos, deu “às de vila diogo” e se fome trazia, com fome se partiu para outra freguesia.

Pois foi ali, com essa lembrança de fundo, que chamei GIGANTES aos pastores, a todos eles, comparando-os com os GERADORES EÓLICOS e com POLIFEMO, da Odisseia, também ele pastor e gigante. E pergunto que outra coisa não eram, eles pastores, se, nos trilhos da HISTÓRIA, foram os que “forneceram ao mundo, a carne, o leite, o queijo, as peles” e tudo o mais resultante de uma ANTIQUÍSSIMA atividade económica?

AMADEUVem isto a propósito dos vídeos (dois) que realizei sobre o DESFILE dos rebanhos da Serra do Montemuro (e arredores) que, concentrados em Ribolhos, passaram pela vila de Castro Daire, na manhã do dia 22 do presente mês de junho, neste ano de 2019.

A um desses vídeos dei o título “A FESTA DO PASTOR” e ao outro “MONTEMURO-PASTORÍCIA”. No primeiro deixei que o gado falasse. Ouviu-se o “balir” da cabrada, da carneirada e o ladrar de um cão, bem próximo de mim, estranhando o que via. Cão de «apartamento», citadino seguramente, nunca tal coisa vira na sua vida. Comentei o desfile e comparando-o com EDIÇÕES anteriores, sublinhei o facto de o ver EXPURGADO dos “tambores, clarinetes e pífaros” e demais instrumentos musicais a darem uma “cor festivaleira” a um evento que pretendia “recriar” a “transumância”,  essa atividade engolida pelo tempo. Essa tarefa cansativa, suor em pingo, pernas doridas por muitos quilómetros andados. Da gente e dos cães. É só ver e ler os trabalhos que já publiquei sobre isso. Mesmo “recriada” a HISTÓRIA, sob pena de deixar de sê-lo, não pode ser DETURPADA, VILIPENDIADA, ADULTERADA. E nenhum historiador probo, entra em carruagens dessas. Mas tem o DEVER de dizer: «EU NÃO VOU PIR AÍ». Critério presente em todo o meu trabalho historiográfico. Gostem dele ou não. Fiz isso, há muitos anos, no mais simples opúsculo “Castro Daire em Três Tempos” feito “pro bono”, a pedido do então chefe de Finanças para um encontro anual dos funcionários ao nível do distrito e fiz o mesmo, também “pro bono” com o livro de 514 páginas, “Castro Daire, os Nossos Bombeiros, a Nossa Música”, adormecido algures nos armazéns municipais, em prejuízo da divulgação da nossa HISTÓRIA e CULTURA. São as conivências institucionais de capelinhas que jamais deixarei na sombra e trarei à liça pública em defesa da VERDADE e da HONRA.

ALVAAo outro vídeo chamei “MONTEMURO-PASTORÍCIA”. Dividido em duas partes, à primeira designei “O TRABALHO” e dei-lhe corpo com registos arrancados aos  meus arquivos, ligados à “pastorícia”, recolhidos nos montes e vales ao longo dos anos, falando ou não com os pastores. Eles são a prova de que faço REGISTOS temáticos ligados às nossas TERRAS, GENTES E ANIMAIS, que são documentos históricos e de estudo, independentemente de quaisquer interesses que, na velha tradição romana, com “circo, pão e vinho“, visam entreter e povo e ter VOTOS por retorno. A segunda parte designei “A FESTA”, por isso mesmo e deixei que os animais falassem. No cabeçalho pus a correr a legenda “...sem comentários…” e em rodapé, «data venia», a fabulosa canção de José Mário Branco, eu vim de longe...de muito longe”, letra e música em perfeita conexão com os trilhos que tenho andado e com o cansaço visível de pessoas e animais, nesta sua forçada caminhada, sobre o alcatrão, fora dos pastos serranos.

Com respeito por todos, eu me curvo e presto a minha homenagem aquele senhor idoso, de boné branco, à frente de um rebanho preto. O seu andar cansado, o seu arrastar de pernas, é bem a prova de que se vai ali por amor à profissão, que se integra a festa com os sacrifícios que ela acarreta, mas está lá. Está vivo. Os seus passos só têm símile no carneiro preto enfeitado que o segue de língua de fora e na ovelha preta, um pouco atrás dele, visivelmente manca, a coxear, cabeça acima, cabeça abaixo, naquele sobe-e-desce a dizer «que sim, que sim...» quando lhe apetecia era dizer não.

CARNEIRO NEGROElogiei os organizadores do desfile e aqui reitero o que disse. Não é sem logística e trabalho fácil que se concentram cerca de 2.000 cabeças de gado ovino e caprino em RIBOLHOS e se faz deslocar a pé, com passagem por Castro Daire, até ao Vilar, ponto de DESCANSO. Arrebanhar num só sítio, tantos rebanhos dispersos pela serra, de maior o menor número de cabeças, exige esforço, coordenação e trabalho. Muita gente.

Quantos carros foram precisos para transportar essa quantidade de gado para ali? Quantas pessoas movimentou essa ação, quantos fardos de palha para alimento foram transportados, quantos cuidados a ter com os animais num tempo (o nosso tempo)  em que movimentá-los, de carro ou a pé, exige cuidados acrescidos, dispensados em tempos idos?

Bem. Já comentei de sobejo o evento nos moldes em que tem sido feito. E voltar a ele era “chover no molhado”. Penso que ele deve ser repensado, inclusive as DESPESAS (avultadas) que acarreta. Tenho fortes dúvidas que o Município algum dia tenha retorno económico e cultural das verbas investidas, tanto mais que, baseando-se o evento numa DETURPAÇÃO DA HISTÓRIA, será a própria HISTÓRIA a rejeitá-lo na primeira oportunidade. E não vai valer-lhe o voluntarismo que anima os seus atuais ou futuros  ORGANIZADORES. E, como cidadão e munícipe, não me cansarei de dizer que os dinheiros públicos merecem melhor e mais profícua aplicação. Multipliquem-se os rebanhos pela serra toda, por estes nossos montes e vales, pois os dentes trituradores de tão ágeis ruminantes pouparão muito dinheiro do ERÁRIO PÚBLICO gasto em fogos e outros flagelos resultantes do excesso de matos e escassez de gente. Façam com as cabras o que fizeram com os lobos. Espalhem-nas na serra. Elas se encarregam de sobreviver e se volverem selvagens tanto melhor. As montarias que  atualmente se fazem ao javali, poderão mudar de alvo e uma nova espécie venatória povoará SERRA DO MINTEMURO.

“HINO AO PASTOR” feito em 2009.

 https://youtu.be/BugKKQ-M0oM

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.