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terça, 19 novembro 2019 16:05

CODESSAL OU CODEÇAL?

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REFLEXÕES

Presumo não haver serrano nato, calcorreador de montes e brenhas montemuranas, a guardar gados ou à caça, que não saiba distinguir uma “urgueira” de uma “giesta”, um “tojo” de um “codesso” e que, mesmo empiricamente, ignore o substantivo coletivo de cada um desses arbustos: um urgueiral, um giestal, um tojal e um codessal.

 1-FORALSerrano que sou, conhecedor de todos esses arbustos, amigo de usar as palavras refletindo sobre elas, a primeira vez que enfrentei um “codessal” foi quando, na caça, um primo meu, companheiro de caçada, abateu uma perdiz que foi cair numa mata de codessos intransponível, ao fundo de uma leira.

Parecia plantada ali de propósito. Arbustos bastos como se fossem um campo de cebolas, agressivos, eriçados como tojos, a perdiz só saiu desse “codessal” graças à minha cadela Diana, uma cadela traçada (epanhol+outra raça desconhecida),  de pele peluda, que lhe permitia entrar, afoita, onde qualquer Pointer, Perdigueiro Português, Navarrro e outros cães com “pedigree genealógico” se recusavam entrar e a rasgar a roupa de nascimento.

2-mÕESVem isto a propósito de um vídeo que fiz recentemente a que dei o subtítulo “O PASTOR DE CODESSAL”. Nesse meu trabalho, aliás muito apreciado (a levar em conta o número de visualizações que teve em menos de 24 horas) eu não ter respeitado a grafia do topónimo “CODEÇAL” que dá nome à aldeia de onde é natural o pegureiro que entrevistei. Nome que figura nas tabuletas de trânsito, indicativas do lugarejo e nas respetivas cartas geográficas, locais e nacionais.

Pessoa amiga, em privado (via Messenger) chamou-me a atenção para esse pormenor e eu tive de dizer-lhe que não era erro meu, mas sim opção minha, esclarecendo a razão disso.

Quem se passear pelo GOOGLE em busca de saber, vai encontrar um enxame de topónimos com as duas grafias a que aludi, abelhas a voarem livremente sobre este nosso terrunho nacional. Só no concelho de Castro Daire há três, que julgo derivarem todas da existência abundante, no sítio que designam, do arbusto para onde aponta a atual identificação. É “Codeçais de Mões”, “Codeçais da Ermida” e “Codeçal de Gosende”. Tal está nas tabuletas e mapas.

3-GOSENDEPois. Só que eu, rebelde,  como sempre, nestas e noutras coisas,  não me deixei levar pelo “dito e feito”. Habituado a ler manuscritos e a ver grafias diferentes, no mesmo documento (ou documentos diferentes), no mesmo tempo (ou em tempos diferentes), a identificar a mesma coisa, tenho optado por rejeitar aquilo que considero erro, só porque, algures no tempo, a palavra perdeu o significado original, com a ajuda de um escriba anónimo, sei lá se de poucas letras, que o escreveu como sabia ou lhe soou bem ao ouvido.

Recordo aquela anedota do pai que chegou à Conservatória do Registo Civil para dar o nome à filha:

- Então que nome escrevo?

- Prante-lhe Ana!

E o funcionário escreveu “Prantelhana” e Prantelhana ficou para toda a vida. A força da oralidade vergou a força da escrita. Ou, então, o inventor  da anedota resolveu gozar com a ignorância e o baixo grau de literacia que grassava na função pública.

4-GOSENDEMas, fora do campo anedótico, quero deixar aqui algo substantivo que ilustre a minha opção escrita por “CODESSAL” numa descarada atitude de falta de respeito pela grafia estabelecida nas tabuletas e cartas geográficas.

Então vamos lá. No foral da Ermida, 1514, vamos encontrar “Codessais” e não “Codeçais”. Nas Memórias Paroquiais de Mões, 1758, lemos “Codessais” e não “Codeçais”. Nas Memórias Paroquiais de Gosende, 1758, aparecem-nos somente referidas as povoações “RossamCampo Benfeito, Cotelo, Gosende, Gosendinho e Peixeninho”.

De “Codeçal” nem sinal. Mas, se houvesse, por certo seria manuscrito com “ss” e não com “ç”, tal como foi no Foral da Ermida e nas Memórias Paroquiais de Mões.(cf. documentação anexa).

Mas não havendo “Codessal”, também as Memórias Paroquiais, aludindo aos arbustos existentes na serra, não referem os “codessos”. Referem sim haver na serra “carquejas, urgueiras, giestas e piornas”, pelo que o topónimo e o seu referente serão, seguramente,  realidades posteriores.

Aí está um bom assunto de pesquisa, para os “doutores” das nossas redondezas levarem a cabo. E tudo porque eu, no subtítulo de um vídeo escrevi “O PASTOR DE CODESSAL” e não «CODEÇAL» como manda a tabuleta.

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.