“Começo por esclarecer que estive, como civil, na cidade de Tete e pisei as "picadas" do distrito dentro de Land Rovers dos Correios, liderando uma equipa de guarda-fios nativos, cuja responsabilidade era mantermos as "comunicações" em ordem.
Os telefones da época eram de magneto e manivela, ligados a uma mesa de PBX, instalada no edifício dos Correios, ali mesmo a beijar o Zambeze, PBX que era a "central de comunicações" a cargo de duas telefonistas que se revezavam por turno, a meter e a tirar as cavilhas no painel luminoso que tinham à sua frente. Cada luzinha acesa correspondia uma chamada, ou pedido de ligação. Uma dessas telefonistas chamava-se Ema e residia no Matundo, uma menina mulata bem bonita e aproximadamente da minha idade. Ela foi alvo de muitos piropos meu tão próprios do tempo, sem nunca levar a mal.
Um dia, regressado do mato com uma quantidade bastante de penugem (esporos) de feijão-macaco recolhido num recipiente, resolvi pregar uma partida aos meus amigos que só pisavam o alcatrão da cidade e levavam a vida a levantar-se da cadeira da repartição onde exerciam funções e a sentar-se na cadeira do Café Dominó, onde nos encontrávamos frequentemente.
Quem teve a experiência de ser "mordido" pelo "feijão-macaco" entenderá bem aquilo que digo.
Quem não teve essa experiência, aqui fica uma explicação: o feijão-macaco criava-se dentro de uma espécie de vagem coberta de penugem (esporos) tipo agulha, que se despegava dela ao mais pequeno toque ou sopro de vento. Planta selvagem gregária, a imagem que me ocorre para melhor entendimento, é uma plantação de milharada feita nos campos de regadio e ai daquele que, sem dar por isso, penetrasse em tal plantação. Saía dali, como me aconteceu a mim e à minha equipa, a corrermos todos para o caminho mais próximo, tirar a roupa e rebolarmo-nos no chão, tal qual os asininos e equinos, com vista a libertarmo-nos da comichão com a ajuda daquele pó fino vermelho, tão característico das terras de África, que só na cor difere do pó de talco. Sem rios e água por perto era a solução. Aquilo só visto. Se tivesse sido filmado, tornado vídeo no Facebook (algo não sonhado à epoca) teríamos seguramente um “viral” de sucesso. Dois europeus a “espolinharrm-se” no pó vermelho da “picada” e os restantes membros da equipa, nativos, conhecedores das plantas e experimentados na relação delas com o homem, a rirem-se da nossa figura e inexperiência.
Mas foi essa experiência vivida que despertou na imaginação a ideia de recolher alguns desses esporos (devo lembrar que eles não tinham efeitos na ponta dos dedos e palma das mãos, mas somente nas outras partes da pele) e engendrar a tal patifaria. Levava o recipiente na algibeira para o café, metia nele o dedo anelar e, à chegada do amigo, cumprimentava-o estendendo-lhe a mão de modo que o meu dedo lhe chegasse ao pulso do lado interior.
E chegava outro. O acto repetia-se. Daí a nadinha todos estavam a coçar o pulso e a saber que algum dos amigos fora o autor da partida. Não era difícil adivinhar. Só quem andava pelo mato. Não levavam a mal, iam aos lavabos e ali deixavam os efeitos de uma brincadeira que, parecendo de mau gosto (e era) a juventude e a amizade tudo esquecia.
Mas, em boa verdade o digo, não fora isso e os "mangas de alpaca" nunca saberiam o que era o "feijão macaco", embora ouvissem falar dele.
Hoje, longe dessa idade, são outras as comichões que me apoquentam. E não são para risadas, como eram as do amigo Cardoso, do amigo Pereira, do amigo Palma, este último, vim a sabê-lo muito mais tarde, tinha sido colega de estudo, em Vila Pery, de uma menina - MAFALDA - que veio a ser minha a esposa.
Pegadas de vida, nas picadas dela e, neste caso, nas picadas do "feijão macaco", em terras de Tete. Ali, entre aquela cidade e o Zóbué”.