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segunda, 30 dezembro 2019 21:08

TEATRO REGIONAL DA SERRA MONTEMURO

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HISTÓRIA E CULTURA

Mais uma vez aportou na minha caixa do correio o “OUTEIRO”, boletim editado pela “Associação Cultural Desportiva e Recreativa do Fojo”, com sede na aldeia de Campo Benfeito, que integra o “Teatro Regional da Serra do Montemuro”.

Outeiro-1 - Cópia

Conheço pessoalmente alguns (somente alguns) dos elementos que integram este grupo de “ARTISTAS SERRANOS” sempre atenciosos comigo, a comunicar-me as suas iniciativas, a mandar-me convites para assistir às peças que congeminam, estruturam, ensaiam e levam a palco. E eu, ingrato, só muito raramente, a corresponder aos seus ensejos.

Num meio pequeno como o nosso, facilmente nos encontramos pessoalmente, na vila (quando eles a ela descem) ou quando eu subo à serra e, num lado ou noutro, lá apresento as indispensáveis desculpas e eles, complacentemente, (um da cada vez, conforme o caso) as vão aceitando com aquela afabilidade e sorrisos que lhes é próprio, sem que eu vislumbre nessa complacência ponta de fingimento ou de hipocrisia.

Eles e elas são assim. Andam metidos nos trilhos da investigação e da cultura há muitos anos e entendem essas minhas falhas, essas minhas ausências. Sabem bem que mesmo ausente, sempre estou presente e com eles, valorizando as suas iniciativas e trabalhos. Não fosse eu defensor da DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICA, ADMINISTRATIVA E CULTURAL.

Este meu apontamento é, pois, da minha parte, um pedido de desculpa pública e, simultaneamente, o eco do reconhecimento de tudo quanto eles, agarrados ao seu torrão natal, ao nosso serrano CAMPO BENFEITO, tão bem têm feito e posto na rua e nos palcos o resultado do seu trabalho.

Já levam anos de vida e de acção. Gente simples, como simples são todos os criadores e artistas, este grupo de teatro vai “fazendo acontecer” as coisas e vai mostrando ao mundo que na província, por estas bandas da serra, não se “cultiva” somente a couve troncha, mas também a arte vicentina sem que essa arte deixasse que os séculos engolissem o popular trocadilho, palavras de duplo sentido, a ironia, o sarcasmo a COISA SÉRIA posta no estrado ou na ruas embrulhada no amor à terra, no riso, no humor criativo e inteligente.

Mas francamente eu não me sinto muito confortável a escrever sobre tão criativo e activo grupo de teatro. Assisti a poucas peças deles, dei a minha colaboração no projecto da “ROTA DO ROMÂNICO” e fiz um vídeo que alojei no meu CANAL NO YOUTUBE, onde deixei alguns “flachs” da peça que levaram a cabo no largo do antigo Hospital da Misericórdia e do edifício que foi a primeira escola primária na sede do concelho - a “Escola Conde Ferreira, 1866”.

Nessa peça (como me lembro bem) o grupo explorou com maestria as fantasias populares vividas em torno do “LIVRO DE SÃO CIPRIANO”, um livro diabólico pela serra fora. Revisitei esse vídeo para aludir a ele neste apontamento. E fiquei decepcionado. Alojado no Youtube, em junho de 2017, teve, até ao momento que escrevo, somente 97 visualizações. Comparado com outros, também da minha lavra, cujo conteúdo é o FOLCLORE, não tem símile. O que mostra bem as PORTAS que o grupo tem de abrir, as MURALHAS que o TEATRO DA SERRA DO MONTEMURO tem de vencer no que respeita a incutir nas nossas gentes os novos hábitos culturais e de entretenimento.

Para não desanimarem e, pelo contrário, visando incentivá-los a prosseguir a sua espinhosa senda, colo aqui dois exemplos reflectidos por mim a partir de trabalhos meus. Um vídeo da minha lavra alojado no meu CANAL, em 2011, com o título “RELVA - CONCERTINAS” teve, até aos dias de hoje (dia em que escrevo este apontamento), 54.467 visualizações, o que corresponde a quase 7.000 visualizações por ano. Comparado com o vídeo relativo à peça de teatro em torno do "LIVRO DE SÃO CIPRIANO”, alojado em 2017 e visto somente 97 vezes, constata-se que não chegou a ser visto 50 vezes por ano. A verdade nua e crua vertida em números.

E isso, para mim, nem sequer constitui qualquer novidade. Tive um professor universitário que alertou os seus alunos para a “MATEMATIZAÇÃO DO REAL” significando com isso que, nas CIÊNCIAS SOCIAIS, os NÚMEROS podem espelhar os procedimentos humanos e, consequentemente, fazer luz sobre as MENTALIDADES em foco.

Ora, muitos dos meus trabalhos sublinham as dicotomias “cultura/entretenimento”, “folclore/entretenimento” e “literatura/texto vulgar”.

Para não ser suspeito de atirar setas a alguém, colo aqui o exemplo que deixei no meu site em 2014, vertido em grelha. Nela vemos, em números, a explícita APETÊNCIA do nosso público pelo texto vulgar, escrito por escrevinhador vulgar, sobre gente vulgar. Para comprovar isso coloquei em pararelo duas crónicas minhas. Uma sobre o Manel da Capucha e outra sobre Aquilino Ribeiro. O primeiro era um pedinte andarilho, conhecido nas redondezas. O outro era um escritor das redondezas, conhecida figura da nossa LITERATURA, que repousa no Panteão Nacional, conhecido por toda a gente.

grelha

outeiro-2 - CópiaOra ponham os olhos na grelha anterior e tirem as vossas conclusões. E face a elas, teremos, forçosamente, de reconhecer o meritório trabalho desenvolvido pelo GRUPO DE TEATRO DA SERRA DO MONTEMURO. Ele exige de todos nós um bocadinho mais do que saborear as vulgaridades, lambosarmos as emoções básicas do folclore, do futebol e da sueca, seguramente livres de atingir o grau de cidadania esclarecida, se calados e satisfeitos ficarmos com o “PÃO E CIRCO”, que o PODER LOCAL nos põem ao dispor, mandato, após mandato.

E repensado isto tudo, não será difícil a cada cidadão, a cada munícipe, saber qual a escala de valores pela qual se rege o nosso PODER LOCAL e as instituições que pelo país e redondezas vão gastando o ERÁRIO PÚBLICO.

Amorim Girão, em 1940, escreveu que o Montemuro era a “serra mais desconhecida de Portugal”. Isso já foi há muito tempo. A serra, nesta primeira vintena do século XXI, viu-se rasgada, de lés-a-lés, pelos estradões que conduzem aos geradores eólicos. A técnica e a ciência subiram à serra em busca e ao serviço da energia, coisa que ela sempre fez fornecendo lenhas, carvão e gente. E nesse seu afã, a CIÊNCIA E A TÉCNICA generalizaram-se por toda ela, cerros, montes e OUTEIROS a cotas diferentes. E a HISTÓRIA? E a CULTURA? Bem, da minha parte, avante, TEATRO DO MONTEMURO, avante, mas não esperem receber a COMENDA DO INFANTE.

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.