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sexta, 29 setembro 2023 13:39

LAMELAS «PEGADAS NO TEMPO E NO ESPAÇO» (21)

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DA HISTÓRIA ...À  FICÇÃO

Depois das «pegadas históricas» que deixei anteriormente, devidamente documentadas,  resolvi rematar esta série de crónicas com um texto que mistura a HISTÓRIA E A FICÇÃO. Talvez os naturais de Lamelas venham a interessar-se, assim, pelo conhecimento das suas raízes e conhecer melhor o chão que pisam. De onde vêm, para onde vão e não apenas onde estão e o que são. Quem diz de Lamelas, diz do concelho, pois estou certo que muitos são os munícipes que, vivendo nas encostas da serra do Montemuro, desconhecem completamente a existência das MURALHAS, o MURO que está na génese do topónimo. Primeiro «Monte do Muro» e depois, por aglutinação, MONTEMURO. Tudo junto dá um LIVRO.

 

 RECONQUISTA CRISTÃ, ENTRE LAMEGO E VISEU

CONTO PARA CRIANÇAS

PelágioEra uma vez...foi há muito, muito tempo, quando os exércitos cristãos, refugiados nas Astúrias, comandados por Pelágio, resolveram enfrentar os Mouros e “reconquistarem" as terras que tinham perdido. Houve muitas batalhas e muitos mortos pelo caminho.

E passados alguns anos, os exércitos cristãos, depois de terem conquistado Lamego, em 1057, seguindo a caminho de Viseu, cidade que conquistaram em 1058, um pouco a norte de Castro Daire, travou-se  uma batalha nunca vista nem contada nos livros de história.

Morreram lá muitas pessoas, soldados, cavaleiros, homens, mulheres e crianças. Na refrega ouvia-se o tilintar das espadas cristãs contra os alfanges mouros, gritos lancinantes de dor de adultos e crianças, cavalos desgovernados e perdidos a correrem em todas as direções. Os  animais bravios e o passaredo que habitualmente habitava por perto desarvoraram para longe assustados pela vozeira do acontecimento.

Vencidos  os mouros, uns fugidos e outros mortos, os cristãos prosseguiram a caminhada para Viseu, abandonando os cadáveres e os feridos no campo de batalha.

Nessa época havia muitos ursos, lobos, abutres e corvos, bichos carnívoros e necrófagos. Dotados pela natureza de faro apurado, no chão e no ar, eles farejaram de longe o manjar deixado ali, a céu aberto. Daí os nomes Fareja e Farejinhas que chegaram até nós.

cabeça-2Passaram por Chãos do Mouro e todos, por terra e por ar, se encaminharam para o sítio do festim. Foi um regabofe, um ver se te avias, um fartar de vilanagem. Os ursos e os lobos atestavam os bandulhos, os abutres e os corvos os papos e, mesmo fartos, cada qual procurava levar os bocados que podiam ao afastar-se. Os ursos e lobos serviam-se dos dentes afiados e os abutres e os corvos dos bicos robustos. As cabeças humanas, caídas no campo de batalha, descarnadas, redondas, transformadas em caveiras, eram difíceis de transportar e, por isso, rolaram por ali, por ali ficaram, como cabaças abandonadas num campo cultivado por agricultor descuidado e perdulário. Muitas foram enterradas pela erosão dos tempos, outras desapareceram, mas uma delas, rolando de lado para lado, ficou por ali perdida. Encontrada sozinha foi ela deu o nome ao monte: MONTE DA CABEÇA.

cruzeiroDifíceis de levar pelo ar, mas fáceis de arrastar pelo chão, foram as pernas e os braços. As pernas, que foram feitas para andar, desapareceram para sempre, mas os braços, vencidos e caídos, ficaram por perto e vieram a dar o nome aos dois povos que hoje conhecemos e já existiam no século XIII: os Braços de Cá e Braços de Lá.

Desse monte, com as vertentes poente e sul muito inclinadas, em tempos de trovoada e de chuva, as terras escorriam pela encosta abaixo, originando autênticos lamaçais, lameiros e lameiras, terras de cultivo, à espera de sementes e de gente. No sopé do monte, abaixo de Vila Pouca, ficou conhecida a Quinta das Lamas, campos onde está hoje a Escola Preparatória, onde é suposto ensinar-se HISTÓRIA. E do lado oposto ficaram os lameiros e as lameiras, que viraram Lamelas, as lamas mais escorridas, coadas e leves, onde se fixaram as gentes e se erigiram as casas, formando as povoações. Lá mais ao fundo, as Covelinhas e a seguir os Mortolgos, nome próximo de "MORTÓRIO=FOGO MORTO" que significa "casal desabitado, reduzido a matos e sem cultura", tudo a lembrar o abandono e a MORTE, sítios a recordarem a grande batalha ocorrida ali, naquele monte onde se levantou um cruzeiro gigante, em 1940.

s.AIOA nascente desse outeiro nasceu uma povoação que hoje tem o nome de Vila Pouca, mas que antes se designava São Paio, nome que resultou de ter ido ali parar uma das vítimas da batalha, ainda criança, a qual, em tempos cristãos, vencidos e afastados os mouros, foi associada ao menino que o Emir Abdemarrão III quis incluir no seu harém. Foi ele que deu o nome à terra e que se tornou orago do templo ali levantado, muito depois”.

 

NOTA-1: atenção, meninos, esta é uma "estória", um conto do "faz-de-conta". Mas história autêntica é aquela que mostra um enorme CRUZEIRO que ali foi levantado em 1940, ignorado por muita gente. Aquele CRUZEIRO cuja foto deixei mais acima.

 

NOTA- 2: este “conto”, da minha autoria, foi transcrito de um texto mais extenso que publiquei neste  meu site há muito tempo, a propósito dos CRUZEIROS DA RESTAURAÇÃO.

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.