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sexta, 15 outubro 2021 12:56

MONARQUIA EM QUEDA

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MONARQUIA EM QUEDA

AS PREOCUPAÇÕES MONÁRQUICAS

Em 14 de Agosto de 1907, como prova clara de que os monárquicos sentiam abalados os alicerces do regime coroado com oito séculos de idade, no sentido de lhe darem mais algum fôlego, também el-rei D. Carlos e sua esposa, rainha D. Amélia, visitaram Castro Daire.

 

PRIMEIRA PARTE

 

Com efeito «A Voz do Paiva», de 18 de Agosto desse mesmo ano, jornal que, então, tinha como diretor o Padre António da Silva e proprietário, José Duarte de Almeida, fez a cobertura do acontecimento, dizendo, a dado passo, o seguinte:

«Sendo assim, nós, monárquicos liberais* cometeríamos  uma falta se não relatássemos tudo o que se prende com a visita do Rei a esta vila». (3)

Reis-1900 Mas tal falta não foi cometida e, em consequência disso, sabemos hoje o que de facto aconteceu. A comitiva real chegou à vila pelas 6 horas da tarde do dia 14 de Agosto.

A vila «estava toda embandeirada e, pela estrada real nº 7, tapetada de verdura, em parte levantavam-se mastros com diversos escudos, formando um aspeto encantador. (...) A polícia faz formar o povo em alas (...)»

 Fizeram-se ouvir as cornetas militares da banda de Infantaria 9. Na entrada da Avenida das Acácias estava a banda do Mezio. Mais abaixo a de Mouramorta. Na embocadura da rua 1º de Maio a banda de Reriz e na de S. Sebastião a Filarmónica Castrense. Em frente ao «Avenida Clube» estavam as entidades oficiais onde o monarca parou para os cumprimentos do estilo.  

Depois, entre vivas e aclamações, dirigem-se todos ao palácio Pinto Basto, logo transformado em Paços d’El-Rei. Aí o presidente da Câmara, em nome do Executivo e das populações, leu uma mensagem de boas vindas, mostrando a gratidão dos povos a Suas Majestades e a toda a Família Real, confiante de que esta visita seria «o início de uma nova época de prosperidade para esta região».

Enquanto isso, fora do palácio, «mais de cinco mil pessoas faziam grandes ovações, aclamando o Rei e a Família Real, no meio do som vibrante das músicas e do estrondear do foguetório». Debruçado sobre o muro do jardim o Monarca observou o fogo de artifício, iluminação, descantes populares e marcha «aux flambeaux», acompanhada pelas bandas.

O jantar veio de seguida e nele tomaram parte, para além da Família Real, o conde de S. Lourenço, D. Tomaz de Mello Breyner e Pinto Basto, os donos do palacete, Sr. Eduardo Pinto Basto, o presidente da Câmara, Dr. Jacinto de Paula Pinto Menezes, o juiz, Dr. Bernardo de Sousa Brito e o administrador do Concelho Dr. Joaquim Gomes de Almeida. Ao opíparo jantar seguiu-se um imponente baile, no qual cavalheiros e damas exibiram não só os seus dotes de pé ligeiro, mas também as «riquíssimas toillets».

Findo isso recolheu ao palácio, onde o Dr. António Cardoso Girão, acompanhado pelo Sr. António Augusto, executaram «vários trechos seletos na guitarra, aclamando o rei, no final de cada  peça, os distintos executantes».

 

 

SEGUNDA PARTE

 

DR. ANTÓNIO CARDOSO GIRÃO

O GUITARRISTA

 

Girão-casalE cabe aqui uma palavra sobre este guitarrista que recebeu, por parte do monarca os melhores elogios, pelos trechos que executou.

Natural de Lamego, licenciado em direito pela Universidade de Coimbra em 1905, casou com a senhora Dona Maria da Assunção Álvares Feio Girão, de Castro Daire e por via disso nesta vila montou escritório de advogado até se tornar Conservador do Registo Predial de Lamego.

Formado em leis, e naturalmente interessado em dar o seu contributo ao melhor funcionamento do sistema, é já como Conservador do Registo Predial de Lamego que resolve fazer um «Código (ou formulário) Anotado do Registo Predial», ideia que vai ser acolhida pela Revista Forense «PROCURAL», com sede na Rua do Ouro em Lisboa, conforme se vê pela carta que o seu Diretor, Manuel D’Agro Ferreira, lhe remete em 3 de Novembro de 1936. Ali se diz, com efeito, que seria uma obra «indispensável a advogados, solicitadores e até à parte mais ilustrada de proprietários». Que a importância da obra era tanto mais de sublinhar quanto «a maior parte das Conservatórias são labirintos intransitáveis e recintos vedados até aos profissionais do foro, que ignora até onde vão os direitos do público e a forma de agir».(Arquivo meu)

Guitarra de Dr. Girão - CópiaAssim sendo, quer pelo facto de Dr. António Cardoso Girão se preocupar em tornar as leis e os labirintos das Conservatórias mais acessíveis ao público, dando a conhecer ao cidadão comum os seus direitos e a forma de cada um agir em sociedade, quer pela arte que revelou a dedilhar a guitarra, tinha de merecer da nossa parte esta merecida referência.

Acresce dizer que, tendo-me sido cedido pela sua nora, parte do seu espólio, onde figuram duas valsas para piano, Artur Marado, professor de música na Escola Preparatória de Castro Daire, teceu sobre elas as seguintes considerações:

 «Reconhecemos a sólida formação musical do autor expressa na realização de valores rítmicos e melódicos bem como nas tonalidades escolhidas. Agradável de ouvir este género sentimental, ao estilo do século XIX, revela bem a sua sensibilidade criativa e o seu apurado gosto estético».

            Mas ele foi sobretudo mestre na arte de dedilhar a guitarra. E é a esse propósito que Maria Luísa Gomes, no opúsculo «S. Martinho de Mouros», citando o ilustre crítico de arte João Barbosa, diz:

 «Nos meus tempos de caloiro faziam época em Coimbra, como afamados guitarristas, Girão, Manuel Alegre, João Silvano, Júlio de Lemos e Carlos Chaves (...) salientando-se neste núcleo o brilhante Girão, o mestre dos mestres, que lançou as bases de uma escola nova e refundiu os moldes clássicos das variações daquele instrumento em que se atendia sobretudo à técnica e se desprezava a expressão, como acessório dispensável. Esta escola, pelos seus intuitos de arte, radicou-se no ânimo da geração sucessora e as normas delineadas por Girão, um dos maiores guitarristas que a nossa terra tem tido, foram fertilmente enriquecidas por um grupo de artistas que, com as suas composições originalíssimas, trouxe à escola coimbrã palpável preponderância sobre os que fizeram da guitarra um realejo arreliante pelo seu ritmo fastidioso e que uma absoluta carência de inspiração monotonizava».[1]

 

 

 

 

 


* O diretor do Jornal, padre António da Silva, há-de vir a fazer parte da lista ganhadora do partido dos «regeneradores dissidentes» que, em Novembro de 1908, concorreram às eleições municipais. A lista derrotada, fruto do casamento dos partidos «progressista» e «nacionalista», era encabeçada pelo Padre António de Matos Macella. («A Voz dos Paiva», nºs 473 e 475).

[1] Do espólio que me foi cedido consta, no interior da sua guitarra, velhinha de muitos anos, a legenda informando que ela foi manufaturada por Augusto Nunes dos Santos, sucessor de António dos Santos, de Coimbra, premiado com medalha de prata em 1884 e 1888. Na «lágrima» que caracteriza o remate da escala da «guitarra coimbrã» está cravejado o monograma em prata do proprietário.

 

 

 

 

 

 

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.