Trilhos Serranos

Está em... Início História LAMELAS «PEGADAS NO TEMPO E NO ESPAÇO» (NOVE)
terça, 25 julho 2023 13:15

LAMELAS «PEGADAS NO TEMPO E NO ESPAÇO» (NOVE)

Escrito por 

HISTÓRIA 

Assumido lenhador na FLORESTA DAS LETRAS,  primeiro historiador, poeta e escritor natural do concelho de CASTRO DAIRE, com assento no menu «Discovery & Science» de "NOTABLE PEOPLE" (, https://tjukanovt.github.io/notable-people) disponível no GOOGLE, para respeito dos estudiosos e  despeito dos imbecis,  eis-me de podão em punho a penetrar mato dentro e deixar mais algumas clareiras abertas na área do conhecimento relativo a estas PEGADAS NO TEMPO E NO ESPAÇO, de LAMELAS.

 

Erguida que foi a IGREJA DA SENHORA DOS REMÉDIOS, em Lamelas, por iniciativa e peditórios de José Lopes, com a primeira missa dita nela em 1858, como ficou dito, convém não perdermos de vista o todo diocesano no sentido de valorizarmos o património edificado e a sua referência nos estudos que ficaram feitos em letra de imprensa.

AZEVEDO - CópiaTERMO DE CRASTOÉ o caso da “História Eclesiástica do Bispado e Cidade de Lamego”, escrita por Joaquim Azevedo, editada em 1877. Nessa obra ele refere todas os “lugares” que constituem o “termo” da vila do “CRASTO” (Castro Daire), a saber: “Mosteiro, Folgosa, Farejinhas, Baltar, Fareja, Crestilhão, S. Paio, Lamelas, Berlengas, Vale de Matos e Braços. Fora da freguesia tem Monteiras, Carvalhas, Relva, Colo de Pito e Ester de Cima”.

Posto o que, atendendo à linha geográfica descrita, não custa a entender que o historiador, sem possuir os mapas de que hoje dispomos identificou, sequenciadamente,  os lugares por duas etapas: a primeira, inclui o Mosteiro, Folgosa, Farejinhas, Baltar, Fareja e a segunda, tudo de seguida, Crestilhão, S. Paio (omite V. Pouca) Lamelas, Berlengas, Vale de Matos e Braços.

Sublinhar a forma, sequenciada, que o autor deixou na identificação das povoações, não é coisa de somenos. Fazê-lo, sem os mapas que hoje disponhos, exigiu, seguramente, duas coisas. A primeira foi a sua possível deslocação pessoal às terras, daí ter-nos deixado o trajeto mais curto a partir de Castro Daire. A segunda, foi ter feito o registo a partir de informações prestadas por pessoas idôneas que conheciam bem a geografia e a rede de carreiros e caminhos que ligavam os povoados e, bem assim, o nome deles, alguns dos quais chegaram até nós, exceto um. 

Qual? Nesta identificação feita em 1877, verificamos que a atual SANTA MARGARIDA, a povoação que, nas INQUIRIÇÕES DE 1258 se chamava COVELINHAS (como já historiei amplamente), tinha o nome de BERLENGAS. E no caminho não incluiu a PÓVOA DE VALE CUTERRA, que um século antes era habitada, desabitada já nesse ano, e da qual só restam atualmente as ruínas, como já demonstrei em trabalhos anteriores, devidamente ilustrados.

E, claro está, como nenhum historiador anda a brincar aos TOPÓNIMOS, a eles devemos estar gratos por tê-los registado, pois, fazendo-o, deixou as portas abertas a investigações posteriores e, no domínio da historiografia, um alerta que deve deixar em cuidados todo o curioso “sabe-tudo” que, no domínio da HISTÓRIA, enquanto CIÊNCIA SOCIAL, julga que o estudo desta CIÊNCIA se circunscreve à sua cronologia de vida e faz fica-pé no seu insuficente conhecimento empírico, negando as evidências deixadas no fio do tempo e até a escusa de reconhecer a inteligência prática que os nossos antepassados deixaram no património que nos legaram, inclusive o aparecimemto das povoações perto das fontes e dos terrenos mais produtivos. É o caso de LAMELAS, (topónio seguramente derivado de LAMEIRAS) nos primeiros documentos escritos aparece só um nome (presumivelmente um só núcleo populacional) e mais tarde dois, LAMELAS DE CÁ e de “LÁ”, assim designadas a partir da CENTRALIDADE administrativa da vila de Castro Daire, que era a sede do Concelho e da Freguesia. 

E a divisão destes dois lugares não passou despercebida a Carlos Mendonça, o herdeiro mais novo do solar brasonado que fica quase em frente dos Paços do Concelho. nas quadras populares que ele nos deixou, divagando por terras do concelho diz assim:

Enfim, lá chego ao Comprido,

Passo pelo  «cabeço», canso as canelas

Mas..chego às duas Lamelas

Cuja dupla, para mim, não faz sentido.

 

São quase juntas, Lamelas de Cá

Tem de Nª. Sª dos Remédios, santuário

Onde hoje e sempre houve sacrários

Que também petence a Lamelas de Lá. 

 

 Mas «atrás dos tempos, tempos vêm» ditado popular que se aplica em várias situações do simples quotidiano ou mesmo nos grandes acontecimentos que tem lugar na cronologia da HISTÓRIA.

 O caso foi que, tendo sido este templo mandado construir em tempos de MONARQUIA, havia de suceder-lhe a REPÚBLICA e, nessas circunstâncias, por força da «LEI DA SEPARAÇÃO» alguns dos BENS ECLESIÁSTICVOS foram subtraídos aos seus «legítimos» proprietários e daí termos na impressa local os protestos e o descontentamento dos que se viram sem aquilo de que se julgavam donos.

Vejamos, como nessa altura, procurando pôr os pontos nos «iii», reagiu o PADRE JOSÉ TAVARES DA SILVA, de Lamelas, ao «arrolamento dos bens da Igreja» em 1912, de harmonia com a «Lei da Separação». Foi uma «REPRESENTAÇÃO» saída punho do Padre José Tavares da Silva, em nome do seu colega capelão do Santuário da Nossa Senhora dos Remédios, Pe Policarpo Augusto dos Santos. Vamos ver isso no jornal «A União» de 26 de Maio de 1912, com o título em caixa alta «Arrolamento», assim:

 

«REPÚBLICA - ARROLAMENTO DOS BENS DA IGREJA

«Na ocasião em que a comissão dos arrolamentos aos bens da Igreja procedia ao arrolamento dos bens do Santuário da Nossa Senhora dos Remédios, de Lamelas, desta freguesia, de que foi fundador José Lopes, daquela povoação, o nosso amigo Pe José Tavares da Silva[1], em nome do senhor Pe. Policarpo Augusto dos Santos, capelão daquele Santuário, leu e entregou à comissão o seguinte protesto:

Exmo. Senhor presidente da Comissão dos bens eclesiásticos no concelho de Castro Daire.

Cópia de capa da republica - CópiaEu abaixo assinado, capelão no Santuário da N. Senhora dos Remédios, de Lamelas, desta freguesia e concelho de Castro Daire, profundamente magoado com a violência que o presente inventário significa contra a sacratíssima liberdade da Igreja, venho por este meio patentear a Vªs Ex.ªs indignação e pesar que sinto ao presenciar este atropelo da justiça praticada às ordens de um Estado que se diz erguer-se sobre a Justiça e sobre a Liberdade.

(…)

Eu reputo as operações deste arrolamento a que Vª Ex.ª vai proceder como a mais flagrante usurpação dos direitos que a Igreja tem como entidade jurídica sobre os seus bens, cuja posse e administração a ela exclusivamente pertence.

Num regime de separação, se é legal, não posso reconhecer no Estado a pretensão de se intrometer nos negócios daquela que de si separou.

Neste ato, pois, levado a efeito em nome da força, diante da qual me dou por vencido, eu vejo a ação preparatória para uma inqualificável extorsão.

Estes bens que foram entregues à minha guarda e são muito deste Santuário testemunham a crença de milhares de crentes que por certo não aprovam esta espoliação.

Aqui não há nada que se deva à munificência dos governos que têm presidido aos destinos deste mal-aventurado país.

É bem conhecida de Vª Eª. esta ainda na memória de todos, a pequenina e singela história desta fundação para que seja necessário recordá-la.

Quero, pois, contra a expropriação que o Estado pretende fazer destes bens protestar em nome das contas do piedoso fundador deste Santuário.

Não foi para que tudo isto tivesse o destino que em breve lhe vão, talvez, dar que ele tanto se sacrificou por esta obra de fé e religião.

Mal imaginava José Lopes ao fazer o seu testamento em favor da Igreja que ele bem sabia ser a mais competente para continuadora do seu pensamento em direção ao fim que se propusera, mal pensava, sim, que ainda seria executada no seu país uma lei de efeito retroativo que havia de anular, como se nada valesse, esse acto legal praticado em harmonia com o direito reconhecido legítimo e menosprezando essa expressão da sua última vontade, que julgou sempre considerariam sagrada, viria desviar arbitrariamente do fim da sua intenção o fruto das suas penosas canseiras.

Protesto outrossim, em nome dos benfeitores que para aqui contribuíram com seus donativos, todos, provavelmente, crentes, entre os quais se não contará um só desses que hoje acham bem e apoiam este insólito procedimento do Estado.

Bem longe estariam de pensar que a soma dos seus sacrifícios, que o produto da sua generosidade seria dentro em, pouco aplicado a um fim bem diverso daquele que intentaram.

E para terminar seja-me permitido protestar também em meu próprio nome. Há já perto de nove anos, que eu venho, no uso de uma liberdade, que me enganei em julgar garantida, valorizando esta propriedade, Deus sabe com quanto sacrifício.

Era para a Igreja a quem consagrei a minha já agora longa vida, que eu tinha tenção de trabalhar, supondo que jamais alguém frustraria o bem que intentara fazer.

Era à Igreja que eu destinava o fruto dos meus suores, por sinal bem amargurados.

É, pois, com imenso desgosto que eu vejo por uma lei, que nada tem de justa, impedido o fim que me impusera.

Não é meu intento, com este desabafo da minha consciência agravada, faltar ao respeito devido à autoridade civil, que Vª. Exª. aqui representa, nem às instituições vigentes, que sendo as da minha pátria que desejo ver engrandecida acato, para cumprir um dever que a minha própria religião me impõe. Quis tão-somente satisfazer uma obrigação do meu ministério de sacerdote católico e manifestar publicamente o muito que esta violência fere fundo e duramente as crenças que amo sinceramente.

Peço a Vª Eª se digne aceitar o meu protesto e mandá-lo juntar aos autos do arrolamento dos bens deste Santuário.

Lamelas, 22 de Maio de 1912.

As) Pe. Policarpo Augusto dos Santos» A união, nº 14 de 26 de Maio de 1912)

 

E  «O Castrense» nº  12 de 10 de Fevereiro de 1913, publica uma circular do ministro do Interior sobre a «Lei da Separação»:

«O senhor Ministro do Interior enviou aos governadores civis e administradores do concelho a seguinte circular:

Exmo. Sr. A lei da Separação do Estado das Igrejas deve ser cumprida tal qual é. (…) Inerente ao regime da Separação anda a salutar providência do ensino neutro em matéria religiosa ou inconfissional, estabelecida primeiro implicitamente, na citada lei artigos 1º, 2º ,10º, 37º e 170º e depois expressamente na constituição, artigos 3º e 10º» .O Castrense» nº  12 de 10 de Fevereiro de 1913 

------------------------------------


[1]  NOTA: «A Voz do Paiva» nº 457 de 28 de Junho de 1908 dá a notícia da  «festa da primeira missa, do nosso amigo padre José Tavares e Silva» no «Santuário dos Remédios em Lamelas»

Ler 467 vezes
Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.