PRIMEIRA PARTE

Foi pela simples razão de que, na altura em que fiz o exame da QUARTA CLASSE, eu, semelhantemente às demais crianças serranas, sem fazer uso desse CERTIFICADO, entrei diretamente na UNIVERSIDADE DA MONTANHA, sem exame de admissão ou qualquer outra prova de LITERACIA. E, então, para avançar nas cadeiras nucleares desse CURSO SUPERIOR, isto é, fazer as cadeiras de AGRICULTURA E PECUÁRIA, mais não era preciso do que saber manejar bem uma aguilhada, lavrar melhor uma leira com o arado celta radial, ou charrua de aiveca móvel e cavar habilmente uma horta ou quintal com uma enxada de qualquer tamanho.
O resto, a ligação com os animais, vinha por acréscimo. Eles eram os fiéis companheiros de trabalho e de vida. E carregar ao colo um cordeirinho ou cabritinho nascidos nos montes, depois das mães comerem as placentas, tal como ver um vitelo a espreitar o mundo, saindo pela porta devida, respondendo às contrações físicas das mães, tornou-se um conhecimento trivial no acervo de saberes e prazeres agro-pastoris.
Caso diferente foi quando parti para África e, lá, em Moçambique, para me tornar funcionário público, a máquina administrativa fiar mais fino e exigirem-me documento comprovativo do meu grau de escolaridade. E pouco importava, ali, o meu curso da UNIVERSIDADE DE MONTANHA e os saberes correlatos acumulados, durante anos.
E tal era a confiança que eu depositava nessas minhas “habilitações”, nesses meus saberes de MONTANHA que parti para as terras do Índico, sem levar comigo esse CERTIFICADO DE ESCOLARIDADE. Tive, pois, de fazer de lá o pedido desse documento e cá, quem se encontrava na situação de passá-lo, pronto a “manuscrever” e a assinar sobre os selos obrigatórios tão precioso “papel” era o Professor JOÃO GONÇALVES SEVIVAS. (Ver fac-simile, acima).
Disse, no último APONTAMENTO que voltaria ao seu nome e cá estou eu, como o prometido. E reponho, também, o “manuscrito” assinado pelo Coronel de Cavalaria, J. Barros e Cunha, a solicitar informações sobre este PROFESSOR, visando saber se ele tinha colaborado com as “extintas organizações”, a saber, a LEGIÃO PORTUGUESA e a PIDE/DGS.
SEGUNDA PARTE
Repararam na data? Já tinha passado o “verão quente” de 1975, v.g. os idos “11 de março”, dia em que se confrontaram as forças de esquerda de pendor “revolucionário” e as fações políticas do “centro e de direita” empenhadas na via democrática eleitoral.
Digamos que ja tinha passado o grosso da enxurrada política, mas o que não passado ainda e persistia nas “mentes” de alguns dos “democratas” emergentes, era expurgar o NOVO ESTADO (DEMOCRÁTICO) de todos os cidadãos que eram suspeitos, com razão ou sem ela, de terem colaborado com o ESTADO NOVO (TOTALITÁRIO). Estávamos nos tempos de SANEAMENTOS.
Não tive acesso à resposta solicitada, mas esta documentação é bastante para termos uma ideia de que alguns cidadãos chegados recentemente às cadeiras do poder - NOVO ESTADO - nem se deram conta que estavam a proceder, exatamente, como procediam os do ESTADO NOVO.
E semelhantes procedimentos não se ficaram por esses tempos. Como já deixei demonstrado nos APONTAMENTOS anteriores. Mas estou em condições de “provar” que o Professor JOÃO GONÇALVES SEVIVAS colaborou nas instituições locais ligadas à EDUCAÇÃO, nomeadamente na ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DA ESCOLA
António
Serrado, da qual era SÓCIO. Uma ASSOCIAÇÃO que, em 1958 e seguintes, era dirigida pelo Dr. Pio Cerdeira d’Oliveira Figueiredo, Júlio Alexandre Pinto e Amadeu Miranda Poças, sendo que o primeiro foi o último Presidente da COMISSÃO ADMINISTRATIVA REPUBLICANA da CÂMARA MUNICIPAL, destituída na sequência do golpe militar do 28 de maio de 1926, para dar lugar os elementos pró-monárquicos, como deixei amplamente demonstrado no meu livro “Implantação da República em Castro Daire-I”.
E o “RELATÓRIO E CONTAS” de 1960, faz eco da HOMENAGEM feita ao benemérito COMENDADOR SERRADO que teve lugar em 10-12-1960, aniversário do seu nascimento (10-12-1871) na qual tomaram parte mais de 200 crianças.
Os trabalhos decorreram sob a Presidência do Dr. Pio Cerdeira d’Oliveira Figueiredo (Presidente da Direção) e dos Profs. Amadeu Poças e João Sevivas”.
Foi uma HOMENAGEM laudatória e edificante que ficou na memória das crianças. Isso e não só. Neste ano de 2024, não são poucos os concidadãos castrenses, atualmente adultos, que bem se lembram dos bons ofícios desse BENEMÉRITO e dessa ASSOCIAÇÃO, nomeadamente terem ido, pela primeira vez à praia, terem aquecido os pés com os primeiros TAMANCOS, terem aquecido o corpo com uma capa de burel (capucha) e terem comido uma refeição diferente daquela que os pais não lhes podiam servir em casa. Merece pôr os olhos no “fac-símile” das duas páginas correspondentes ao capítulo das DESPESAS, relativas ao ano de 1958, que incluo neste APONTAMENTO, associando-lhe um caloroso “VIVA O 25 DE ABRIL”.
CONCLUSÃO
Passaram CINQUENTA ANOS da REVOLUÇÃO DOS CRAVOS, evento histórico que nos trouxe a LIBERDADE e mau grado os erros e acidentes de percurso, visivelmente forrados e revestidos pelo subtil fino tecido ideológico, se foi mau (ou continua a ser, como disse José Luis Carneiro, ex-Ministro de Administração Interna do PARTIDO SOCIALISTA) expurgar da ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA quadros COMPETENTES, para, no seu lugar, colocar quadros de filiação partidária, pior ainda é que, neste “NOVO ESTADO”, QUADROS TÉCNICOS, dominando o IMPÉRIO DA BUROCRACIA, se mostrem vazios, ocos de CULTURA e de HISTÓRIA.
É só volver os olhos em redondo. É só ir “vendo, ouvindo e lendo”. O património edificado destruído ou descaraterizado, sem gosto, sem resto, sem rasto e sem rosto, do PASSADO. Quintas urbanizadas, árvores arrancadas, ruas asfaltadas e pintadas, sem sinais de reposição desses pulmões de copa verde, nestes tempos de alterações climáticas e de apelo ao equilíbrio ecológico e biodiversidade, mesmo nos meios urbanos. Aos olhos de quem vê, eis uma relação pouco saudável, senão doentia, entre o HOMEM e a NATUREZA, entre a sapiência académica e o bom senso popular.
Os políticos, os técnicos, os educadores, os responsáveis por tudo isto, não poderão orgulhar-se, futuramente, do LEGADO que deixam aos vindouros. E não é de esperar que, no FUTURO, próximo ou distante, esse mesmo LEGADO mereça a EMPATIA, a HUMANIDADE e a GRATIDÃO que rescendem da HOMENAGEM prestada, em 1960, ao COMENDADOR SERRADO, orientada pelo Dr. Pio Cerdeira Figueiredo, e professores Amadeu Poças e João Sevivas.
E porque foi na ESCOLA ANTÓNIO SERRADO que fiz o “EXAME DE SEGUNDO GRAU” e foi o Professor JOÃO GONÇALVES SEVIVAS que passou e assinou o CERTIFICADO com que iniciei a minha carreira académica, bem fica rematar este APONTAMENTO com a fotografia do edifício onde tanto castrense deu os primeiros passos nos difíceis caminhos da alfabetização e das suas carreiras profissionais. Edifício benemeritamente construído para alimentar o ESPÍRITO foi demolido para dar lugar ao MERCADO MUNICIPAL, destinado a alimentar o FÍSICO. Do acerto ou desacerto dessa decisão política levada a cabo pelos nossos EDIS, a HISTÓRIA julgará.