Os resultados das últimas eleições legislativas e o esforço que António Costa tem feito para congregar a esquerda (aparentemente um milagre se atentarmos ao que a História nos mostra, desde o Liberalismo do século XIX, à República do século XX e ao período pós 25 de Abril de 1974) fez-me retornar à juventude, ao contexto serrano de sobrevivência e, num esforço titânico, calcorrear o cursos dos três ribeiros que, confluindo num ponto, davam origem a um rio. Só assim, com as águas juntas, se podia pôr a girar o moinho e transformar o grão em farinha e a farinha em pão. Pouco importava o nome do rio. Ele por "Mau" era conhecido, mas bom era o produto dele saído. Não constando nos livros e compêndios escolares, ele era conhecido por todas as crianças das povoações vizinhas. E hoje, graças à evolução da ciência e a divulgação de saberes, o leitor, para melhor juízo, sentado no seu sofá, vá ao Google Earth e, num abrir e fechar de olhos, (veja foto em baixo) começando a esquerda para a direita, verá a confluir num ponto, em leque, primeiro, o Corgo Escuro, com nascente na Fonte das Três Bicas e linhas de água a montante; depois, o Corgo do Porto da Grade, com nascente no Corgo Forninho, na Mourisca de Cá e na Mourisca do Meio; e, por último, o Corgo da Filharada, com nascente na Mourisca de Lá.
Botar a água dos três ribeiros leito abaixo, quebrá-la, entorná-la de açude em açude que, por levadas e regos, a desviavam do curso natural para irrigação dos lameiros, fazê-lo ao escurecer para se moer de noite, não era pera doce. Tudo "pedibus calcantibus". Era preciso elasticidade nas pernas e fôlego de mocidade para vencer carreiros, caminhos, atalhos, socalcos. Subir e descer. Tarefa não aconselhada a idosos trôpegos de joelhos e artelhos. Eu bem posso dizê-lo hoje. Mas as leis da sobrevivência impunham esforço e sacrifício. O moinho só girava com o concurso dos três ribeiros. Cada um dava o que podia e a mais não era obrigado. Mas não fora o humilde contributo de cada um, a broa de milho, ou de centeio não entraria nos açafates de madeira (uma caixa em miniatura com tampa) e sem ela, mesmo sem conduto, eu não estaria aqui para dizer e contar tudo.
Todas as mós andadeiras dos moinhos giram no sentido contrário aos ponteiros de um relógio. Da direita para a esquerda. Não conheço nenhum moinho que gire ao contrário. Só o relógio, essa máquina de medir o tempo. Está, pois na hora de pôr a governança a girar da esquerda para a direita. E sempre me interroguei sem encontrar resposta o porquê de ser assim. O tempo ser medido da esquerda para a direita. Na esquerda começa o movimento que vence o espaço da direita. À falta de água se imobiliza o moinho. Parado fica o relógio à falta de corda.
E eu fico-me por aqui, não por falta de corda, mas à espera de ver o resultado dos esforços de António Costa, de Jerónimo de Sousa e da Catarina Martins (os três ribeiros que juntos fazem rio) esperançado de que ponham o moinho em movimento e pôr pão na mesa de todos os portugueses.