CULTURA POPULAR ALENTEJANA
No apontamento anterior referi-me circunstanciadamente ao MOTE popular “desta mánica do mundo/quem será o maniquista/onde começa o movimento/não alcança a nossa vista” e prometi trazê-lo glosado em DÉCIMAS pelo poeta popular Francisco Augusto Galrito, escritas em ortografia atualizada, e, pela fonética e grafia, atribui a sua autoria original a um pastor ou agricultor alentejanos que não pastoreavam nem lavravam no campo das LETRAS, mas pastoreavam e lavravam fundo no campo do PENSAMENTO.
É o que vemos, mais abaixo, na primeira coluna da esquerda, reservando a segunda para outra obra sua que, surpreendentemente para mim, ele me dedicou no seu TERCEIRO livro, todos os títulos “A VERDADE DA POESIA” (I,II,III).
A edição é de 1995, v.g. uma dúzia de anos depois de eu ter abalado daquela vila alentejana e regressado ao meu concelho de origem.
Este poeta falecido em 2014, não me lembro de lhe ter agradecido por escrito, em vida, a gentileza de ele ter volvido a sua atenção, sensibilidade e olhar para os meus trabalhos de investigação e defesa do património histórico e cultural como ele tão bem o diz em verso.
Este poeta falecido em 2014, não me lembro de lhe ter agradecido por escrito, em vida sua, a gentileza que ele teve de volver a sua atenção, sensibilidade e olhar para os meus trabalhos de investigação e defesa do património histórico e cultural, como ele tão bem o diz em verso.
Não me lembro, digo bem, de lhe ter agradecido, pela mesma forma, em letra redonda pública, mas, agradeci-lhe, pessoalmente, em 2009, quando visitei aquela vila para participar num coloquio sobre a “FONTE DE MILAGRE” tratada no meu livro “HISTÓRIA DE UMA CONFRARIA», que muito trabalho deu às “Justiças da Terra” (Executivo Municipal), ao Priorado de Santiago e a todas as instâncias judiciais no tempo, até D. João V, junto do qual funcionavam os Tribunais do Desembargo do Paço e Desembargo da Consciência.
E disse-lhe que a DÉCIMA que me tinha dedicado, estando eu ausente daquela vila, havia tanto tempo, sem esperar de mim, seguramente, algo em “troca”, figurava no meu “curriculum vitae” profissional (online) ao lado das OPINIÕES de ACADÉMICOS e POLÍTICOS de projeção pública e institucional, como sejam o Dr. Francisco Cristóvão Ricardo (meu ex-professor de LITERATURA, entretanto falecido), o Dr. Manuel da Costa Pinto (clérigo, entretanto falecido) o Doutor Amadeu Carvalho Homem (Professor da Universidade de Coimbra, que presumo e desejo de boa saúde), Dr. Fernando Amaral (advogado, ex-presidente da Assembleia da República, entretanto falecido), Dr. João Duarte de Oliveira (advogado, ex-Presidente da Câmara e da Assembleia Municipal de Castro Daire, entretanto falecido), Professora, Drª Maria da Conceição Campos (investigadora, ensaísta e escritora, entretanto falecida), Dr. Arménio de Vasconcelos (advogado, museólogo, poeta, entretanto falecido), Dr. Manuel de Lima Bastos (advogado, escritor aquiliniano, com quem troco correspondência de vez em quando), entre tantos outros pessoas que, generosamente, me prendaram com os seus pareceres públicos e me incentivaram a prosseguir a saga iniciada nos difíceis trilhos do pensar e do agir, em benefício do saber e do conhecimento humanos.
E ainda que todos merecessem, humanamente, que os seus ROSTOS figurassem neste meu APONTAMENTO, optei por deixar, exclusivamente, o daquele cidadão que, entre licenciados, engenheiros e doutores, em verso popular tão bem delineou o retrato das minhas vontades, postura cívica e relacionamento que mantive com todos aqueles que me transmitiam os saberes que escapavam às minhas leituras académicas.
Um cidadão simples, habilitado com a 4ª classe da Escola Primária, sem galardões académicos, poeta sem ser “fingidor”, possuía outros galardões de CIDADANIA, outras credenciais cívicas, recebidas, em cerimónia oficial, no “DEPÓSITO DE PRESOS DE CAXIAS”, em 1947 e 1949. E se atentarmos na CALIGRAFIA patente no seu nome registado no cabeçalho do diploma que, então, lhe foi conferido, e bem assim na fotografia das três posições (frente, esquerdo e direito) não nos é difícil aquilatar da “pompa e circunstância” que rodearam as suas chegadas e a saliva dos AGENTES POLICIAIS, face à “reincidência” do “agraciado”, um jovem lobo ibérico de dentes arreganhados, acoitado nas recônditas charnecas do distrito de Beja, concelho de Castro Verde. Território propício para a reprodução da “espécie” era mais fácil caçar um lobo solitário do que fazer montaria a uma alcateia inteira.
São documentos bem guardados na Biblioteca Nacional da Torre do Tombo (online) difícil mercadoria para os vendilhões na FEIRA DA LADRA, ou outras feiras de província, onde já vi CRUZES DE CRISTO e TORRES DE ESPADA, a par de MEDALHAS alusivas a escritores de renome. O ano passado adquiri, na FEIRA MEDIEVAL DE MÕES, a MEDALHA com a efigie de Trindade Coelho, no anverso e no reverso a sua BIOGRAFIA resumida.
Que mais não seja, para descargo da minha consciência, os humildes versos de Francisco Augusto Galrito, face à tabela de valores que uso na calibragem das relações humanos, não ficaram fora dos pratos da balança da justiça, a par de outras pessoas amigas, sem distinção de LETRAS e TRETAS.
Assim sendo, à laia de última vontade minha, uma espécie de “item” testamentário, aqui deixo a todos (a maior parte deles já falecidos, como vimos) a minha GRATIDÃO pelas palavras amigas e pelos juízos de valor que, livremente, expenderam sobre a minha pessoa e obra. Sei que estas minhas palavras tresandam a léguas o meu estado de alma. Elas não precisam explicação. Nem os meus amigos precisam que eu faça um desenho.
Dixit.
MOTE
Desta máquina do mundo
Quem será o maquinista
Onde começa o movimento
Não alcança a nossa vista
I
Este mundo onde vivemos
É deveras complicado
Há tantos anos estudado
Nunca mais o entendemos.
Poucas luzes dele temos
O saber não é profundo
Não se sabe ainda tudo
E, nem ao mesmos os sábios
Nos mostram os astrolábios
Desta máquina do mundo.
II
Esta imensa engrenagem
Onde nós estamos metidos
Move-se em rodos os sentidos
Como grande carruagem.
Com muita ou sem bagagem
Por cá anda o artista
Com macaquinhos na crista
A ver se consegue descobrir
Quem nos está a conduzir
Quem será o maquinista?
III
Quem seria o arquiteto
Desta obra colossal
Onde a vida é real
Onde tudo tem aspeto?
Não está tudo descoberto
E eu tenho no pensamento
O real pressentimento
D’onde isto poderá vir,
Mas nao chego a discernir
Onde começa o movimento.
IV
Vem a noite e vem o dia
Vem a chuva e o vento
Tudo tem acolhimento
Sob o Sol da alegria.
Será tudo fantasia?
Mas muita gente acredita
Que isto é obra bendita
Mas não tem disso a certeza
E a sua profundeza
Não alcança a nossa vista.
Francisco Augusto Galrito, Castro Verde, glosando o MOTE sobre a
“Mánica do mundo” de que já falei antes.
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MOTE
«O zeloso Doutor Abílio
Pode abalar descansado
Quando a Castro regressar
Verá o moinho restaurado»
I
«Sendo um homem de cultura
Anda sempre no respigo
Procurando o qu'é antigo
Muitas vezes na leitura.
Doutras formas ele procura
Pedindo a outros auxílio
Para lá no seu domicílio
Estudar nosso património
Porque é homem idóneo
O zeloso doutor Abílio».
II
«Ele em Castro se interessava
Por tantas coisas antigas
Não se poupando a fadigas
Quando na vila morava.
Pró Largo da Feira olhava
Ficando muito desolado
Ao ver o moinho degradado
Mas alguém lhe disse então:
Está breve a restauração
Pode abalar descansado».
III
«E o Doutor muito animado
Abalou para sua terra
Ficando assim à espera
Do que ficou acordado.
E lá foi entusiasmado
Com o que fez despertar
E no moinho sempre a falar
Quando saiu deste povo
Na esperança de o ver novo
Quando a Castro regressar».
IV
«E abalou com saudade
Desta vila alentejana
Lá para terra transmontana
Onde passou a mocidade.
E lá nessa localidade
Estará sempre lembrado
Do que lhe foi afirmado
De maneira tranquila
Quando voltar a esta vila
Verá o moinho restaurado».
Francisco Augusto Galrito (in «A Verdade da Poesia» (Vol. III), Castro Verde, 1995, ed. do autor)
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Com efeito, em 2009 retornei aquela vila e tive o gosto de ver o moinho de vento restaurado e requalificado todo o espaço da grande FEIRA DO CRASTO, a feira de outubro, restauro e requalificação pelas qual me bati na ASSEMBLEIA MUNICIPAL (como membro eleito nas listas do Partido Socialista) e no «DIÁRIO DO ALENTEJO» de que fui assíduo colaborador.
No “Campaniço” n 96, de 2014 (Boletim Informativo da Câmara Municipal de Castro Verde) a D. Ana (de Castro Verde) dedica 5 quadras à MORTE, deste meu amigo. Transcrevo a primeira:
Morreu Francisco Galrito
Homem muito inteligente
Que rimava muito bem
Para agrado da nossa gente.
E a Câmara Municipal de Castro Verde, fez uma edição póstuma de alguns dos seus trabalhos com o título “PROSA E POESIA” com a seguinte referência:
“Francisco Augusto Galrito foi um dos poetas mais marcantes da poesia popular do concelho de Castro Verde. Editado após a sua morte, este livro reúne prosa e poesia. São décimas sobre diversos temas, textos de prosa subordinados ao título “Em Procura de Pão e Trabalho” e Contos. Uma escrita sobre a condição social e as vivências de outros tempos”.
Posto o que imaginem os meus amigos, tendo ele sido tão objetivo e rigoroso no traço que deixou sobre o meu “perfil cívico» captado na passagem por Castro Verde, quão rigoroso e incomodativo não seria ele na flor da idade, a proclamar a “VERDADE DA POESIA” vivida naqueles tempos em Portugal inteiro. Daí o MÉRITO que lhe foi reconhecido no «DEPÓSITO DE PRESOS EM CAXIAS», como vimos mais acima. Gostei de ser seu amigo e de o ter por amigo.