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terça, 18 março 2014 14:30

TRIBUNAL DE CASTRO DAIRE (10)

Escrito por 
DA FICÇÃO À REALIDADE

PARA UMA MELHOR JUSTIÇA (10)

 6 - CÍCULO JUDICIAL DE LAMEGO

.Posto o que disse, entra em acção Meritíssima Juíza do Círculo Judicial de Lamego, Drª. Maria de Fátima Cardoso Bernardes.
Juntou-se ao processo tudo o que foi, administrativa e juridicamente, solicitado, a par das custas e honorários exigidos, aos AA. pois nestas coisas,  tudo soma e segue,
Os RR, com apoio judiciário (obtido e declinado pela forma como já vimos) podiam dormir descansados. Os seus mandatários estavam atentos e sabiam muito bem que diligências teriam de fazer e como pagar-se dos serviços prestados.

Os AA pagaram as «custas» à cabeça, como é de regra. Já tinham embarcado  € 153,00 e agora mais € 306.00. E veio a primeira audiência. E veio a segunda. E veio a terceira, no salão do Tribunal Judicial de Castro Daire, onde a Meritíssima Juíza se deslocou. Tudo gravado, para não se perder pitada, nem se desaproveitarem as novas tecnologias e a inovação visível e material da nossa Justiça, nas últimas décadas.
Sentada na secretária, iniciaram-se os trabalhos. Senhora de poucas palavras, ouvindo mais do que falando, revelou-se bastante assertiva nas poucas interrupções que fez, nomeadamente interrogando-se a si própria e ao Tribunal, quando verificou que os RR, sendo um casal, na mesma causa, dispunham cada um de «per si»  seu advogado.

Está gravado, mas eu cito de memória, esperando não trair o pensamento da Meritíssima: «está-me a causar uma certa espécie saber que, atravessando nós, uma época de finanças precárias, cada um dos réus tem o seu advogado». Disse isto, fitando os advogados dos RR. Um deles, visivelmente incomodado, o Dr. Adriano Pereira, de São Pedro do Sul, remeteu para a «Ordem dos Advogados» e a outra, uma jovem advogada, nem tossiu, nem disse nada.

Igualmente assertiva e oportuna foi quando a testemunha Cidália Monteiro Lemos da Costa estava a fazer o seu depoimento. Respondendo às perguntas sacramentais da Meritíssima, feitas a todas as testemunhas, confessou estar de relações cortadas com os RR. Interpelada pelo advogado de defesa dos mesmos, sobre há quanto tempo e as razões disso, respondeu que nada tinha a ver com o caso presente e não ia dizer. Interpelada novamente disse tratar-se de coisas pessoais. Mas, dada a insistência acabou por dizer que a Ré lhe tinha batido por razões ligadas ao transporte das crianças para a escola de Farejinhas. E acrescentou que «só não tinha posto o caso no Tribunal para a poupar a gastos com a justiça», ao que a Meritíssima acrescentou na oportunidade: «mas podia, podia fazê-lo que ela não paga nada, até tem dois advogados».

E foi seguramente esta sua estranheza, posta pertinentemente em audiência pública, que a Meritíssima Juíza não deixou de referir também na sentença que, a seu tempo, lavrará sobre o caso. A essa sentença voltarei mais tarde, mas transporto para aqui agora esse reporte para melhor fundamento da asserção e deixar bem claro que, nas instituições e fora delas, houve quem visse e denunciasse as brechas por onde entrou a Troika em Portugal: dinheiros gastos desnecessariamente, em nome da justiça, já que ao Estado cabe dar «apoio judiciário» aqueles que carecem de justiça e não têm meios para aceder a ela. Assim:

TRIBUNAL.REUS CASADOS-RedRepare-se na primeira linha e no parágrafo metido entre a primeira e a segunda. Transcrevo: «Os RR devidamente citados, contestaram, fazendo-o, cada um de per si (não obstante serem casados), alegando factos (…)». A estranheza da Meritíssima Juíza posta desta forma escrita, como antes o tinha feito de forma oral, era comum à generalidade das pessoas que conheciam o caso, interrogando-se como é que «um casal» na «mesma causa» tinha dois advogados, cada um «para si».

E assertiva se mostrou neste ponto, assertiva foi igualmente quando a advogada mandatária de um dos RR, Joana Sevivas, «apertava» uma testemunha dos AA. exigindo que ela dissesse «quantas vezes os tinha visto passar na eira, ou as pessoas que trabalhavam o quintal».

A testemunha, de seu nome Maria José, a residir em Fareja, insistia que vira frequentemente isso, mas que não sabia o número de vezes, pois nunca as tinha contado e «nem imaginava sequer que tal coisa fosse parar ao tribunal», senão tê-lo-ia feito. Face ao que a Meritíssima Juíza, dirigindo-se a ela, como que a sugerir outro rumo ao interrogatório, disse: «pois se a senhora soubesse levava um caderninho e tomava nota, não era?». E a advogada deixou a testemunha em paz e passou à frente.

Feitas as audiências que a Meritíssima entendeu oportunas e necessárias, marcada que foi a que se destinava à «leitura dos quesitos», ela não compareceu, marcou para outra data, onde só esteve presente o meu mandatário.   

À primeira marcação tinham acorrido não só as testemunhas, mas também muitas pessoas de Fareja, ansiosas de verem o «andar da carruagem» e presumirem quem «ia lá dentro». A JUSTIÇA, para o povo de Fareja, jogava nesta causa o seu nome e a sua razão de ser. Essas pessoas queriam ouvir da boca da Meritíssima a conformidade ou desconformidade das leis e sua interpretação com a realidade secular daquela servidão de caminho e rego. A ausência da Meritíssima foi uma frustração. E eu apercebi-me, ao vivo,  que a Justiça não se circunscrevia apenas ao espaço de uma sala de audiências e ao domínio dos artigos e folhas que dão corpo aos Códigos de Leis Cíveis ou Penais. Ela estava no senso comum, no sentir e pensar das pessoas que, ignorando tais artigos e tais Códigos, sabiam bem de que lado estava a verdade. E queriam ouvi-la da boca da magistrada.

Os autos permaneceram nas suas mãos até 08/05/2013, data em que tomei conhecimento da respectiva sentença. É dela que destaco «ipsis verbis»  a decisão final:

«III – Decisão

«Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e julga-se a reconvenção improcedente, por não provada e, em consequência decide-se:

 a)      Condenar os RR a reconhecer o direito de propriedade dos AA sobre o prédio urbano e quintal anexo inscrito na matriz predial da freguesia de Castro Daire., sob o artigo 3366 e descrito na CRP de Castro Daire sob o nº 101/19850912

 b)      Condenar os RR. a reconhecer que sobre a eira que integra o prédio, sito no lugar de Fareja, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 13814: da freguesia de Castro Daire, a confrontar com o caminho, sul e poente com Leonel Ferreira Duarte e outros e nascente com Nazaré Cardoso, a favor do quintal do prédio dos AA., identificado na al. a) do dispositivo uma servidão de passagem, a pé, de carro, incluindo tractor e animais, através de uma faixa de terreno com cerca de 21m de comprimento por cerca de 2,40m de largura, através da eira referida, no sentido sul-norte, a poente do canastro aí existente, desde a abertura com 2,40 de largura no muro sito na estrema norte do prédio dos AA., onde existe um portão feito em rede com aro em tubo de ferro até à abertura no muro da vedação com o caminho público a norte da eira, com a largura de 2,40, onde existe um portão em chapa de ferro, sem chave, servidão essa a exercer diariamente e a qualquer hora.

 c)      Condenar, ainda os RR. a não obstruir ou por qualquer meio impedir ou não dificultar a passagem em favor do prédio dos AA., sobre a faixa de terreno mencionada em b)

 d)      Absolver os RR do demais pedido pelos AA.

 e)      Absolver os AA/reconvindos dos pedidos reconvencionais formulados pelos RR/reconvevintes. 

 Custas da acção pelos AA. e RR, na proporção, respectivamente de 10% e de 90% e custas das reconvenções pelos RR/reconvintes (cf. artº nos 1 e 2 do C.P.C.), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido aos últimos.

 Registe e notifique

Lamego, 08/05/2013 (pp.37/38)»

 (continua)

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.