Trilhos Serranos

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segunda, 29 junho 2015 09:02

DIÁLOGO ÍNTIMO

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DESABAFO

Solitário, sentado à mesa, espero a refeição da noite. Cumpro a obrigação de me alimentar, para manter a carcaça viva, andante e pensante.

Ali ao lado, meia dúzia de amigos, bebericando o seu copo de vinho, picando a moela com o palito, falam alto, discutem, bebem, copo sucede a copo e, em cada gargalhada avinhada, eu confirmo a felicidade rural que via nos homens dos meus tempos de criança, encostados aos balcões das tavernas, tampos salpicados de rodas vermelhas, desenhadas pelos copos virados ao contrário, código que o taberneiro entendia como "encher de novo", pois a rodada continuava.
Solitário, neste meu comportamento urbano (digamos que quase bisonho) atento a todos àqueles jeitos e trejeitos, neste minha posição de espectador, das coisas, dos tempos e das gentes, vejo-os virados de costas para a TV, alheios totalmente ao noticiário, às informações, às intervenções inflamadas dos políticos, uns a contradizerem outros, a propagandearem as formas diferentes de resolverem a crise, o desemprego e a fome já entrada em alguns lares do país.

Solitário no meu canto (nesta minha atitude urbana e bisonha) comendo, ouvindo e observando, constato que o mundo desse grupo de amigos, tem os seus limites nas coisas pessoais, quotidianas e próximas, sendo que a mais próxima e ao alcance da mão que os faz juntar ali em convívio alegre, é o copo de vinho que não se quer vazio. E vê-se bem que a cor "rubi" do líquido já subiu ao rosto e aos olhos de todos eles.

Solitário, acabei a refeição, dirigi-me ao balcão e discretamente disse ao proprietário que incluísse na minha conta uma rodada destinada aquele grupo de amigos. Foi a forma que encontrei de participar na sua alegria, de prolongar o seu convívio, com pena de não poder ser um deles. 
Feito isso, solitário, retiro-me com o sentimento feliz de ainda me sentir gente, de não estar totalmente desumanizado e compreender as motivações e os comportamentos desses amigos, tão distintos dos meus.
São os baldões da vida. E chego a pôr em dúvida o caminho percorrido em busca do bem estar e da felicidade. O que é isso, afinal?

Abílio/junho/2013

P.S. Este texto foi escrito e publicado no meu portal do Facebook em 29 de Junho de 2013

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.