Trilhos Serranos

Está em... Início Crónicas TEMPO DAS VACAS GORDAS
domingo, 03 janeiro 2016 16:18

TEMPO DAS VACAS GORDAS

Escrito por 

No tempo das vacas gordas, digamos que nos anos em que chegava a Portugal dinheiro a rodos, fundos da CEE, governava o país o actual Presidente da República, corria, na TV, um anúncio publicitário sobre "jips". Aparecia um carro desses a subir e a descer ravinas, mas um dos condutores, por inexperiência, deixou o carro, vai que não vai, prestes a cair por uma ribanceira abaixo. Era então que surgia a frase crítica publicitária: "hoje qualquer chouriço tem um  jeep.

Foi esse também o tempo dos "Mercedes" amarelos, castanhos, brancos e cinzentos, coqueluche dos empreiteiros, dos mestres de obras que ganhavam dinheiro a fazer estradas e instalações para aviários, currais de cabras e projectos agrícolas de suínos subsidiados que nunca chegariam ao fim.

E foi também nesse tempo que correu entre amigos com algum espírito crítico sobre o meio que os rodeia, a anedota que aqui deixo. Vendo-a pelo mesmo preço que me foi vendida. A mim apenas me deve ser atribuída a forma como aqui a relato, já que, por força do estilo, ela teria contornos diferentes se fosse outro amigo meu a escrevê-la. 
Então foi assim: um desses NOVOS RICOS foi comprar o Mercedes em voga. O vendedor, arguto, de posse do perfil do comprador, elogiou-lhe o gosto da escolha, as qualidades da viatura, que não era um carro vulgar, um baile baile verbal correspondente à exaltação do "ego" do cliente. Tudo o que foi necessário para o ver satisfeito e inchado. Estando as coisas no ponto, dito o preço não houve regateio. 
O cliente encantado com o carro e com a forma como foi atendido pelo vendedor, convidou-o para um almoço, no restaurante ao lado. Que sim, senhor. Vamos lá. Sentados à mesa, escolhido o prato, coube ao vendedor escolher a bebida. E este, que não era tanso nenhum, escolheu o vinho dos mais caros da ementa. Aberta a garrafa e após os salamaleques próprios do empregado de mesa, sabendo de que vinho se tratava, o vendedor sorriu, agradeceu, que estava bom, podia servir.
O NOVO RICO, provou, bateu com a língua no céu da boca, e, de chofre, pediu ao empregado que lhe trouxesse um Sumol. Dito e feito. Abra. Acabe de encher o meu copo. Só bebo com mistura!
Empregado de mesa e vendedor, ambos conhecedores de bons carros e de bons vinhos, trocaram um eloquente olhar e deixaram que o almoço corresse ao GOSTO do novo dono do Mercedes. Bons tempos, bons tempos!

NOTA: este texto foi publicado no Facebook no dia 03/01/2013, transposto para aqui como MEMÓRIAS, hoje mesmo.

Ler 997 vezes
Mais nesta categoria: « AS FONTES MORREU O REI »
Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.