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sábado, 12 março 2016 22:49

CASTRO DAIRE - CASA BRASONADA DOS MENDONÇAS - 2

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Aníbal Correia de Mendonça (06-11-1867 ?) filho de José Correia de Barros Coelho e de Diana Carolina de Mendonça Pinto de Sousa Balsemão, casou com Dona Maria Celstina de Frias Oliva (21-01-1878 ?) de quem teve os seguintes filhos: José de Mendonça Oliva (08-09-1898 ?) e João de Mendonça Oliva (13-01-1900 ?) que emigrara para o Brasil; Maria Diana de Mendonça Oliva (30-05-1901 ?) e Carlos Emílio de Mendonça Oliva (10-03-1907 ?)que seguiu os passos dos irmãos mais velhos. Este cidadão, o último patriarca do solar dos Mendonças, em Castro Daire, no século XX, para além de viver das rendas dos prédios de que era proprietário, encontrou na arte do tricô, isto é, a fazer «rendas» forma de arranjar uns trocos para satisfação das suas necessidades e vícios entre os quais se contava o do «fumo».  E era frequente as senhoras da vila recorrem à sua pessoa para «tirar a amostra» de rendas que apareciam nas revistas da moda que se publicavam ao tempo, algumas delas vindas de França.

Mendonça-3Consultado para o efeito num qualquer dia, no dia seguinte a consulente podia voltar ao solar e estar certa que sairia de lá com o «ponto» feito. 
Uma das revistas que circulava na vila nos fins do século XIX, mais propriamente na década de 80, virada para essa Mendonça-4arte, era «La Mode Illustree, Journal de  La Famille», vendida em fascículos a 50 cêntimos cada.

À minha biblioteca aportaram alguns exemplares desse «Journal de Famille» incluídos no espólio que pertenceu à casa «Girão» que me foi cedido pelos seus herdeiros antes de venderem e entregarem o edifício ao comprador, despejado de haveres e tarecos.  Digamos que, por diligência minha, consegui salvar do «Aterro do Planalto Beirão», onde vai parar todo o lixo de Castro Daire, parte da história do concelho, dado que não há história sem pessoas, sem artes, sem filhos, nem cadilhos.
De todas as fontes orais consultadas foi a D. Alice Morgado Guerra Cerdeira, com 85 anos de idade, neste ano de 2011, que me disse possuir algumas relíquias saídas das delicadas mãos desse mestre, relíquias herdadas da sua avô, D. Maria Diogo Morgado, nascida em 1 de Maio de 1869 e falecida em 4 de Março de 1955, peças a saber: um «napperon» e uma colcha de cama de casal. 

Mendonça-5Fez o favor de me deixar fotografar essas peças, aquelas que aqui reproduzo como documento da «arte» praticada por um homem de Castro Daire, num tempo em que tal tarefa estava socialmente adstrita a damas e donzelas. Isto numa comunidade paroquial vestida, forrada e revestida de preconceitos, críticas malsãs e ditos que a memória oral registou para a posteridade e o investigador não pode deixar de referir sob pena de dar mostras do seu interesse pelas coisas e desinteresse pelas pessoas e suas formas de pensar e agir: uma versão diz que um homem que assim procedia só podia ser efeminado, pouco digno da nobre linhagem de Afonso Henriques que, para além da esposa, Mafalda, teve várias amantes; outra versão contrária diz que essa era a forma fidalga do senhor Mendonça atrair à corte, isto é, ao seu solar, as damas e donzelas da vila e num qualquer recanto esconso saborearem juntos as delícias da vida, fazendo jus aos Machados, aos Pintos, aos Correias e as Barbosas, representados no brasão de armas colocado sobre o portão principal do solar.  


Seja como for, face a este irreverente e delicado labor público de um homem com brasão na testada do seu solar,  a memória transportou-me a um texto de Ramalho Ortigão inserto na selecta de textos literários obrigatórios nos primeiros anos de liceu. Dizia respeito ao tricô feito pelas mãos da sua mãe e tinha por titulo «Mãos que prestam e mãos que não prestam», pelo que, a propósito, bem pode dizer-se que tal atributo artístico não é específico desta ou daquela classe social, deste o daquele sexo.

NOTA. transportado do antigo site, onde permanece alojado

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.