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domingo, 13 março 2016 13:44

CASTRO DAIRE - CASA BRASONADA DOS MENDONÇAS - 3

Escrito por 


JOÃO DA CRUZ

M. Lourenço Mano, no seu livro "Entre Gente Remota, Crónicas e Memórias Históricas de Moçambique", editado no ano de 1962,  com a chancela da "Minerva Central, de Lourenço Marques", em resultado das diligentes pesquisas, concluiu que o ferrador João da Cruz, referido por Camilo no "Amor de Perdição" é tão somente o João da Silva, ferrador, de Armamar, que foi degredado para Moçambique, em 1858, para cumprir pena de quinze anos de presídio, por morte de homem. Cidadão de mau feitio, zaragateiro, esfaqueou até à morte um "macua" às portas da fortaleza de S. Sebastião, na ilha de Moçambique,  pelo que foi desterrado para o presídio do Bazaruto. Evadiu-se de lá, refugiou-se em terras de Sena, onde casou com uma degredada por ter evenenado o marido. E por ali viveu até morrer a negociar escravos, marfim e ouro. (pp. 73-79)

Transcrevendo do livro  «Notas sobre o "Amor de Perdição", de Alberto Pimentel, diz que Simão Botelho, o protagonista, esteve, realmente, na cadeia do Porto e de lá seguiu para o degredo, na Índia»..

Mendonça-6Terá sido preso em 1804, em Viseu, por ter desfechado um tiro de clavina sobre Francisco José Ferreira, criado de servir. Mas a culpa desta tentativa de homicídio recaiu sobre Simão António Botelho, filho do juiz de fora, Domingos José Correia Botelho, e sobre um tal o José Jerónimo, sujeito de ruins costumes e péssima fama. Contribuiriam para agravar a incriminação de Simão Botelho os seus maus precedentes que tinham chegado a causar terror em Viseu e más companhias que ele procurava. Parece que a população viseense  actuaou no julgador de modo a conseguir ver-se livre de um rapaz que frequentes a sobressaltava.

Procurando a relação histórica entre Simão Botelho e o romance de Camilo, chega-se a esta conclusão, apoiado em provas documentais: «o crime que o levou ao degredo não é o que nos conta o grande romancista. Os documentos dizem-nos só que ele foi criminado pelo estropiamento que praticou com um tiro da sua caravina ou clavina, na pessoa do criado de um indivíduo de Viseu. De ter sido o amor que lhe armou o laço, estão mudos os processos».

E diz também o senhor Pedro Azevedo: «Quanto a Teresa, seu pai, seu primo, o ferrador João da Cruz e a filha deste, Mariana, são figuras, ao que parece, criadas pela fantasia de Camilo».

O romancista quis que Simão morresse no mar, em viagem para o degredo, e não  conforme outro investigador , o sr. Ismael Gracias que, descobriu em Goa documentos comprovativos de ter Simão Botelho chegado lá. Foi  ma revista  "Oriente Português" que o seu director, José António Ismael Gracias, chefe da secção na secretaria do Governo Geral da Índia Portuguesa, publicou um artigo baseado em documentos existentes no "Livro das Monções" n. 187", relativo ao degredado Simão António Botelho.

Por esses documentos oficiais se vê que Simão partiu para a India, com mais trintaz e quatro presos sentenciados a dez anos de degredo, a bordo da nau a Monção de 1807, cujo nome era "Conceição e Santo António".

(....)

Esta nau chegou a Goa no dia sete de Novembro de 1807, depois de quase sete meses de viagem. Simão Botelho ainda vivia, pelo menos, em 25 de fevereiro de 1808.

Quanto ao ferrador, João da Cruz, e à filha deste, são figuras, ao que parece, criadas "pela fantasia de Camilo», diz o sr. Pedro Azevedo.

E neste passo acrescenta M. Lourenço Mano que, no ano de 1933, em S. Pedro do Sul, um velho mendigo de seu nome Nascimento, lhe revelou a existência de um João-ferrador, natural de Armamar, Viseu, um homem rude e de génio bravio, que Camilo, certamente, onhecera nas suas frequentes digressões por toda aquela região e que fora degredado para Moçambique, por crime de morte de homem.

O registo dos degredados que vinham cumprir pena nesta parte de Moçambique, era feito muito irregularmente,  tanto na secretaria, como na Praça de S. Sebastião.

Só em 2 de outubro de 1875 o Governador Geral fez publicar a portaria nº 185, ordenando, em rigorosas instruções, o registo de todos os sentenciados.

Procurando eu (M.Lourenço Mano)  em vários documentos oficiais o registo de João, ferrador, encontrei, no "Boletim Oficial» nº 13, de 2 de abril de 1870, a seguinte notícia:

«Outrossim se faz público, por ordem do mesmo conselho (do Governo), que o réu João da Silva, o ferrador, acabou, em 6 de Abril do ano próximo findo, de cumprir apena de quinze anos de degredo em que havia sido condenado, por acórdão do juiz de direito de Armamar, de 6 de Desembro de 1858, por lhe ter tsido aplicado o régio indulgo de 24 de Agosto de 1862, ficando-lhe reduzida a referida pena amenos a quarta parte.».

(...)

Não repugna, certamente, a acreditar que Camilo tivesse conhecido este João, ferrador, observando mesmo muito de perto o seu caracter, homem decidido, enérgico e brutal que fazia justiça por suas próprias mãos.

(...)

Daí acreditarmos, sem a menor dúvida, de que João, ferrador, existiu, é uma figura de vida real (...) somente Camilo lhe mudou o sobrenome Silva para Cruz, como de resto era seu costume fazer a todas as personagens dos seus romances que realmente viveram.

João da Silva, o ferrador, foi na Praça de S. Sebastião de Moçambique, um degradado turbulento e mau.

Certa noite, à porta da fortaleza, travou briga sangrenta e mortal com um "macua", cosendo-o  a facadas. Isso motivou a sua remoção para o presídio da ilha do Bazaruto, do qual se evadiu mais tarde com uns "mataus" para terras de Sena.  Por ali andou vastos anos a mercadejar em escravos, marfim e pastas de ouro, mas senpre em luta e rixas com os frades dominicanos.

(...)

Este João da Silva, o ferrador, casou ali com Rita EmíliaGomes da Fonseca, condenada a degredo perpétuo por acórdão do tribunal  da Relação  de Lisboa, de 30 de janeiro de 1869, pelo crime de propinação de veneno a seu marido.

No romance, João da Cruz é morto pelo filho do almocreve de Garção, aue disparou o bacamarte no peito do ferrador, no mesmo sítio onde este apontara ao peito ado almocreve, dez anos antes.

Há notícias de se haver encontrado há anos, no armazém do Almoxarifado, junto de umas imagens de madeira, um manuscrito pertencente à antiga Câmara Municipal da Vila de Sena, no qual se lia ainda o registo de óbito de João da Silva, o ferrador". (Obc. pp. 73/79).

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.