O VELHO CAMINH0 DA SOBREIRA
Nesta minha saga de INTERPRETAR e divulgar o «hino» escrito e cantado por CARLOS MENDONÇA, um dos herdeiros do «brasonado solar» do cimo de vila, onde atualmente funciona o «CENTRO DE INTERPRETAÇÃO DO MONTEMURO E PAIVA» (como já vimos), aquele cidadão que, cirandando pelo concelho, disse ter unicamente a sua «sombra como pagem», hesito em afirmar se eu tomei o lugar da sombra desse cavaleiro andante ou se foi ele que assumiu o papel de SANCHO PANÇA e se tornou o «pagem» deste D. QUIXOTE, deste «cavaleiro de triste figura» que ainda não desistiu de levar longe o nome de CASTRO DAIRE (através de textos e imagens) mesmo que, aparentemente, isso pareça uma luta «contra moinhos de vento» e, como tal, garantida esteja a batalha perdida. Ou talvez não!
Pois não será. E o dizem os nossos migrantes e emigrantes, que lá de longe, se mostram agradecidos e reconhecidos pelo trabalho que tenho levado a cabo no concelho.

Hoje vou acompanhar CARLOS MENDONÇA no seu regresso à vila, depois de ele ter passado por Arinho, Mortolgos, Santa Margarida e Vale de Matos. Ele assim diz:
«Não retorno à estrada de primeira
Prefiro o antiquíssimo caminho
Cheio de saudosas sombras e carinho
Chamado antigo caminho da SOBREIRA
Desço-o devagar, minha maneira,
Pois nessa forma, fui e sou primeiro,
Só descanso à margem do Ribeiro
Alimentado pela fonte da LAVANDEIRA
Caminho com muita e muita lentidão:
Passo pela capela de SANTO ANTÓNIO
Benzo-me, para afastar o demónio,
Isentando-me de qualquer tentação».
Interessante registo este, feito na década de sessenta, do século XX. À sua maneira, CALOS MENDONÇA, falando do «velho caminho da Sobreira», da Fonte da Lavandeira e benzendo-se na capela de SANTO ANTÓNIO para ele afastar o demónio, não está somente a fazer versos rimados, está também a referir-se à velha tradição que diz terem acontecido naquele caminho «batalhas ferozes entre o caminhante e o Diabo».
Sobre essa tradição publiquei um explicativo e ilustrado texto no meu site trilhos serranos e no «NOTÍCIAS DE CASTRO DAIRE». Dos meus arquivos transcrevo o seguinte excerto, referindo-me ao alto da SOBREIRA e ao resto:
«Ali, naquele local antigamente solitário, ermo de medos e clamor de almas penadas, sítio de morte de homem ou de mulher, lugar de arrepios e de fantasmas, de fazer desviar caminho a quem por lá transitasse sozinho; caminho em que, iniciada a passagem, jamais se podia olhar para trás, sob pena de se ser atacado por forças invisíveis e poderosas, das quais só se podia livrar aquele que soubesse riscar no chão o «sino saimão» (uma estrela, de cinco ou seis pontas) saltasse para dentro dele e de lá travasse a batalha, gritando pelo SANTÍSSIMO e batendo a torto e a direito».
Isto tal qual me dizem as pessoas da zona que rondam, neste princípios do século XXI, os 70 anos e mais anos de idade. Daí que aquele lugar, no topo da SOBREIRA, onde está aquela coluna e o cruzeiro de alminhas, tenha permanecido na memória dos povos com o nome de Santíssimo.
Superstição ou realidade, o facto é que a descrição do fenómeno fez parte da literatura oral durante séculos, condicionou comportamentos e atitudes, e chegou aos nossos dias com a auréola esotérica, mítica e mística que reveste tudo o que aos olhos do camponês não encontra explicação plausível.
O registo aqui fica, em tempos de Internet, blogues, twiteres e quejandos que permitem aos jovens conhecer o mundo distante, que vivem outras aventuras e medos, impõe-se que eles conheçam também o mundo rural, próximo ou distante, através dos artefactos deixados no campo arqueológico do pensamento dos nossos avoengos. Se tal se não fizer, à semelhança dos topónimos rurais ligados à identificação das moitas, herdades, hortas, leiras e pinhais, que, por força de serem, desde longínquos tempos idos, fontes de rendimento e sustentáculos de vida, chegaram até nós, mas condenados estão ao esquecimento por virtude da mudança dos tempo, de profissões e abandono da agricultura».
Já depois de ter escrito e publicado este texto e as fotos que o ilustram (uma coluna e um cruzeiro de alminhas) foram levadas a cabo as obras que, graças à minha intervenção junto da Câmara Municipal e do Abade Carlos Caria, tomaram rumo diferente daquele que estava inicialmente delineado e chegou a ser executado.. É só ver as fotos anexas e ler o texto que, a propósito, deixei no meu site, versão ".pt".
E vim também a saber, posteriormente, que os MEDOS referidos não se ficavam no «velho caminho da Sobreira». Eles estendiam-se a toda a propriedade rústica da LAVANDEIRA que se estendia até ao sítio onde atualmente fica o RESTAURANTE PISARIA ROCHA, conhecido, então pelo topónimo PRADO. Diz quem sentiu que, há cerca de 50 anos, quem saísse da vila para aquelas bandas certo era que, num troço do caminho, sentia a pele a formigar e, respiração suspender-se automaticamente sem razão aparente. Tanto na ida como na volta, só passado esse troço de caminho, é que surgia o suspiro automático do alívio. A zona do medo ficava para trás.
É o que pode dizer-se entrelaçar a poesia com a história e a história com a lenda. Há sítios que se tornaram polos de atração turística sem a riqueza histórica e lendária que este tem. Saibam aproveitá-lo os nossos responsáveis pela promoção turística do município. Eu bem me esforço por passar o testemunho «pro bono» mas, tal como CARLOS MENDONÇA nas suas andanças solitárias pelo concelho, parece que só tenho por companhia a minha própria sombra.
Não importa, fica o registo escrito, em fotografia e em vídeo alojado no Youtube. É matéria que julgo digna de ser lembrada e INTERPRETADA, enquanto prova material e espelho polido do pensar e do agir dos nossos antepassados. E dos presentes que «ignorantes» e desprovidos de sensibilidade histórica, não podem ser sempre.