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sexta, 07 outubro 2016 11:48

CASTRO DAIRE - GENTE DA TERRA, VI

Escrito por 

PELOURINHO

Uma informação preciosa que se encontra na obra de CARLOS MENDONÇA é a que dá corpo à QUADRA que se refere ao CRUZEIRO que existia no cimo de vila, vizinho do SOLAR BRASONADO que o viu nascer, ali mesmo ao pé da capela de São Sebastião, atualmente levantado do LARGO DO CASTELO conhecido pelo pomposo, mas errado, nome de PELOURINHO. 

 

Eis a quadra:

O velho cruzeiro: Mendonças-Coutinho,

Em que é fama antiga e secular

Nos seus degraus se sentava Baltazar

O fidalgo morto por ciúmes mesquinhos.

1-PELOURINHO1-2CARLOS MENDONÇA refere-se claramente a um dos protagonistas do "Amor de Perdição" - Baltazar Coutinho - que Camilo Castelo Branco pôs a habitar o velho solar brasonado dos MENDONÇAS, facto que o VISCONDE DE VALDEMOURO tem por fantasioso e contesta vigorosamente. Já fiz eco do seu protesto na crónica publicada no meu site com o título "CASTRO DAIRE - Casa brasonada dos Mendonças I", mas reponho aqui parte para melhor esclarecimento. Assim:

"Quanto a Baltazar Coutinho nada consta nos «Nobiliários» (...) «Existiram, nos séculos XVI e XVII, em Castro Daire, uns ascendentes dos Albuquerques de Viseu, que mais tarde estabeleceram residência em Lisboa: foram os Condes de Castanheira. Coutinhos e Baltazares Coutinhos, só se os houver agora (1933)  mais de um século passado após a morte de Simão Botelho».

 E mais adiante: «São tantas e tão grandes as fantasias, com aparências das realidades descritas por Camilo no seu «Amor de Perdição" que sou levado a concluir que, desde a primeira à última linha do seu maravilhoso romance, não há um só facto verdadeiro, se exceptuarmos a prisão do seu tio e a sua condenação ao degredo, que não por ter assassinado o pseudo rival Baltazar Coutinho que nunca existiu?»


Mas se CARLOS MENDONÇA fez eco da fantasia denunciada pelo VISCONDE DE VALDEMOURO em 1933 (tomando-a, certamente, por verdadeira, bem como todos os que ainda hoje não distinguem história de ficção) não fantasiou, seguramente, quando designou por «CRUZEIRO» aquela peça lavrada em granito levantada sobre «degraus, um plinto, uma coluna, um capitel jónico, uma bola e uma cruz no topo» que existia no cimo de vila, próximo do solar, a mesma peça, que, sem bola sobre o capitel, está atualmente  no BAIRRO DO CASTELO, como já disse. Ver foto, acima.

Trata-se de um cruzeiro e jamais de um pelourinho. Acresce que,  tal como disse em crónica recente a propósito dos pelourinhos de Alva e de Castro Daire, há muito que ando na pista deste "monumento", suspeitando das afirmações veiculadas no concelho em livros e folhetos turísticos. O monumento situado no «Bairro do Castelo» não apresenta configuração e estrutura de «pelourinho», mas, tão só, de um simples cruzeiro que, «erradamente», alguém, de boa fé e pouco prevenido, promoveu ao símbolo da justiça e municipalidade. Se todos os concelhos tinham um, Castro Daire, também deveria ter. Eu próprio, mal chegado a Castro Daire, fazendo fé nos investigadores que me precederam, cheguei a fazer eco dessa «classificação» numa crónica que escrevi no Boletim Municipal. Caí no logro.

Porém, leituras, pesquisas e investigações posteriores, não tardaram a levantar-me as suspeitas e dar-me a certeza de que algo estava  errado  naquela classificação.

 Ademais, cotejando o produto das minhas pesquisas no terreno, interrogando pedras integradas nas paredes da Igreja Matriz e nas habitações levantadas no casco do velho burgo castrense, inclusive nos muros de socalco periféricos, cotejando isso, dizia, com as informações contidas no maço de correspondência que me foi cedido pela última próprietária do SOLAR BRASONADO DOS AGUILARES, ou seja,  pela minha colega, hoje falecida, Maria Alice Aguilar, nos anos 80 do século XX, que inclui uma referência à deslocação do pelourinho,  presumivelmente, então, existente na PRAÇA AGUILAR (onde, por sentença do Tribunal de Lamego, em 1844, foi levantada a forca para dar fim a um dos assassinos do Padre Bizarro, em 1840, nos arredores de Folgosa, como já historiei em tempos), julgo ter encontrado o verdadeiro pelourinho: uma coluna que, tal como mostra a foto anexa (em baixo)  está numa adega a servir de suporte a uma das traves do soalho da moradia.

2-PELOURINHOCabe, pois, aos responsáveis pelo Município falar com o atual proprietário e fazer voltar ao espaço público esse símbolo de municipalidade e de justiça. O mesmo vai fazer o Presidente da União de Freguesias de Mamouros, Alva e Ribolhos, José Pereira que, por mim alertado logo que tomou posse do cargo, descobriu o pelourinho de Alva, depois de muitos anos sepultado e ignorado do público, metido num curral a desempenhar idênticas funções. Pelourinho que eu farejava, há muito, como bem prova a carta que dirigi à ADRIMAG, em 27-06-2011, que ficou sem resposta, mas que aqui reponho por imperativo de consciência e de verdade. Assim:

"Castro Daire, 27 de Junho de 2011

À Direcção da «MAGazine»

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1 - De posse do nº 2 da «Magazine» - Verão 2011»,  venho felicitar-vos pela iniciativa da edição, visto que, através dela, se pretende dar a conhecer este nosso interior serrano, geográfico e cultural, quase sempre ignorado, esquecido e abandonado, pelos poderes públicos e/ou pelas instituições que põem e dispõem de dinheiros públicos.

 
2 - Sensível à solicitação que VV. Exas. fazem na página 3, no título «Escreva-nos», face à informação inserta na página 29, relativa a Castro Daire, onde aludem ao «56 - Pelourinho de Alva» não resisto a pedir-vos o favor de me informarem qual a fonte histórica que consultaram, qual a descrição física do pelourinho (de bola, de gaiola, etc. etc.) e o local exato da aldeia onde ele se encontra. 

3 – Dedicando-me, há já um bom par de anos, à investigação e divulgação da «História Local», e tendo entre mãos um estudo sobre essa aldeia, tal informação (se possível uma fotografia) muito viria a contribuir para o alargamento dos meus conhecimentos, ciente que estou de que a «História» como recentemente afirmei no meu livro «Afonso Henriques, História e Lenda», é uma disciplina em constante «fazer e refazer», basta, para tanto, que apareçam documentos novos ou novas leituras sejam feitas sobre documentos velhos. 

 
4 – Felicitando-vos pela qualidade da edição, pela qualidade da fotografia e papel utilizado, bem gostaria que «Magazine» também mostrasse qualidade e rigor científico, nos conteúdos históricos e culturais que veicula.

5 - A informação solicitada pode ser-me dada por mail ou, se entenderem que é útil aos VV leitores,  nas páginas da própria revista, em futura edição.

Sem outro assunto, com os melhores cumprimentos, sou

Abílio Pereira de Carvalho (*)

Mais material fornecido "pro bono" destinado ao banco de dados do  CENTRO  DE INTERPRETAÇÃO DO MONTEMURO E PAIVA,  posto aqui  não só  para constar, mas também para   que,  os gestores da "res publicalocal, em particular, e os castrenses, em geral,  distingam muito claramente quem, cá dentro, serve o concelho e quem vem de fora servir-se dele.

É isso. Eles bem podem dispor do espaço brasonado e dos equipamentos sofisticados para a INTERPRETAÇÃO do concelho, mas, como aqui vou demonstrando, os conteúdos, ou permanecem nos meus ARQUIVOS  pessoais, ou já foram por mim publicados tanto no meu site TRILHOS SERRANOS como no meu canal do youtube e, até, no FACEBOOK. 

Cultivando o SER mais que o TER, num tempo e numa sociedade em que tudo é descartável  (como aconteceu com os próprios símbolos da justiça - os pelourinhos - lavrados em pedra)  recuso-me, na minha terra, a ser material humano fácil de descartar. 

(*) NOTA: esta carta ficou sem resposta. E isso diz tudo de quem está cá e de quem está fora.

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.