Trilhos Serranos

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quarta, 30 novembro 2016 13:30

ESTRADA NACIONAL Nº 2 (OITAVO APONTAMENTO)

Escrito por 

A ECONOMIA, OS AFETOS, AS PESSOAS E OS POVOS

Este é o "oitavo apontamento", melhor diria, o "oitavo andamento" que aqui deixo sobre a «ESTRADA NACIONAL N. 2», aquela (cujo percurso atravessa Portugal de lés a lés, no sentido longitudinal)  que tem para mim um profundo significado histórico e  humano de tal modo vivenciado que me dispensa de compará-la à mítica Route 66 nos EUA.

1-Acácias-1 - Cópia

Já li isso, algures, nas redes sociais escrito com igual paixão. Só que, com todo o respeito e apreço pelo autor da crónica e trabalho realizado, para nos valorizarmos e apreciarmos o que é nosso, eu nunca fui atreito a comparações de grandeza física alheias, quando essas dimensões de grandeza, quaisquer que sejam, sempre ficam aquém das dimensões históricas, afetivas e humanas que nos ligam às realidades que, por necessidade, por dever de ofício, por gosto ou, enfim,  por vivência, sem darmos por isso, integramos no nosso ADN e, como tal, fazem parte da nossa identidade individual e coletiva.

Já deixei no Youtube um vídeo onde, a propósito da bengala da velhice, prudentemente manufaturada a tempo,  demonstrei a minha estreita relação com esta  estrada quando ainda não era velho. Já aqui deixei  fotografias e textos demonstrativos do tempo em que, tendo eu outra idade, ela era o rio principal  onde desaguavam vários afluentes em muitos do quais naveguei com a FAMÍLIA inteira ou parte dela:  CASTRO VERDE/FARO, CASTRO VERDE/CASTRO DAIRE, CASTRO DAIRE/CHAVES.

Toda essa vivência e usufruto fez-me colar imediatamente à genial e patriótica iniciativa do Presidente da Câmara de Santa Marta de Penaguião, visando criar uma a ASSOCIAÇÃO integrando os MUNICÍPIOS que ela atravessa, para fazer dela uma ROTA TURÍSTICA NACIONAL e, dessa forma, injectar atempada ou desatempadamente nesta artéria rodoviária parte do sangue que lhe foi sugado pelas modernas vias rápidas e auto estradas. Um contributo sério e esclarecido contra a DESERTIFICAÇÃO do interior de Portugal  abandono, o Portugal  de povos e gentes que se recusaram a deixar de ser as vértebras da coluna dorsal do país e, contra todos os ventos políticos, económicos e sociais, persistiram e persistem em manter de pé, ao longo dessa via, os retalhos soltos deste retângulo à beira mar plantado.2-Jardim-início

E a este propósito reponho aqui o último parágrafo do meu último apontamento:

"E bem se enganam os políticos que julgam que Portugal é só Lisboa e as cidades do interior ligadas por vias rápidas e autoestradas. O tempo mostrar-lhes-á o acerto ou desacerto das suas decisões legislativas e executivas. A DESERTIFICAÇÃO de grande parte do país é bem o reflexo das más decisões ao longo de séculos".

Lecionei, durante anos, HISTÓRIA E GEOGRAFIA DE PORTUGAL. Conheço bem os mapas rodoviárioshidrográficos, orográficos, DEMOGRÁFICOS e outros existentes nos compêndios escolares. Alertei todos os meus alunos para essa realidade histórica, geográfica e económica, para o esvaziamento de parte de Portugal em favor de outra parte, senão do estrangeiro, em busca de melhor vida. Li e estudei todos os trabalhos elaborados pela  Comissão  presidida pelo Engenheiro Valente de Oliveira encarregada dos estudos para a REGIONALIZAÇÃO DO PAÍS. Aderi ao processo em discussão e opinei na imprensa sobre esse desígnio nacional consignado na Constituição Portuguesa, jamais levado a efeito. Agi impelido pelos estudos, pelo conhecimento e ensinamento de uma realidade portuguesa que, para simplificar, direi sermos dois  Portugais (interior e litoral) não por força do trágico destino, mas por força da trágica política delineada em Lisboa por deputados que não conhecem o país e com a colaboração dos deputados eleitos pelas regiões abandonadas, que tinham e têm a obrigação de conhecer, ao menos, a parte que os elegeu.

E com tudo à vista, com essa realidade nacional indesmentível, não faltaram, nem faltam opositores ao processo da REGIONALIZAÇÃO,  aquando da sua discussão pública. Os  mesmos que verberaram os méritos de deixar escorregar o interior para o litoral e a pensar que a  DESERTIFICAÇÃO  de grande parte do país se travava com auto-estradas e vias rápidas, As24 e As25, etc. etc.

Enganaram-se.

3-Bragas-1957 - CópiaE com eles, e como eles, muitos dos  técnicos  colocados nas nossas autarquias. Como técnicos responsáveis pela requalificação das  rodovias urbanas, imbuídos de uma  modernidade disfarçada de desenvolvimento, esteticamente inaceitável, toca a desfigurá-las, a roubar-lhes a funcionalidade, a fazer em aldeias e vilas de província o que se fazia nas grandes cidades (é a geração do copy/paste), nomeadamente, retirar o trânsito dos centros urbanos, enfim, destituí-las dos traços marcantes da sua identidade e vida, não distinguindo a "Nuvem" de "Juno".

Coerente com os estudos e com os conhecimento desta realidade histórica e caracteres identitários, jamais fui atrás de tais modernices. E, apesar disso me acarretar algumas inimizades e dissabores, nunca me calei face a tão gritante erro, gritando, quer por escrito, quer por imagem estática e vídeo. Para tal opção, presente tinha e tenho o que aprendi, em 1971 (vejam há quantos anos!) no livro «Para Além da Liberdade e da Dignidade» de B. F. Skinner: «nem tudo o que é velho é mau, nem tudo o que é novo é bom». E certo disso, sempre  que podia tirava fotografias e esforçava-me por recolher fotos e postais antigos para, dessa forma, estar informado e documentado sobre as evoluções ou involuções sofridas ao longo dos tempos. Estudar a evolução urbana do casario, a arquitetura, as fachadas dos edifícios e seus dos acessos (ou privação deles) é estudar as mentalidades, a formação e a preparação das fornadas de técnicos saídos das nossas universidades. Certo de que toda a obra mais não é do que o seu próprio autor e espelho do nosso ensino superior

Alguns desses documentos aqui deixo hoje, apesar de saber não serem inéditos. Outros se seguirão da minha autoria ou de autores anónimos que aportaram ao meu espólio por via da investigação. É o meu contributo ao BANCO DE DADOS DIGITAL que uma ROTA TURÍSTICA NACIONAL não dispensará, seguramente,  quando ao turismo se juntar informação, história e cultura.

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.