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segunda, 09 maio 2016 14:53

CUJÓ - A ORIGEM DOS FRANCESES - 3

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DA FÁBULA À HISTÓRIA


Há embustes, alguns dos quais com eco na RTP, que me causam uma incomodativa urticária. Sobre um deles já escrevi extenso texto publicado, há uns anos, no meu velho site «www.trilhos-serranos.com» e refere-se ao Programa da RTP2, feito em Castro Daire por José Hermano Saraiva. É só ir ler. Mas recordo aqui e agora que, estando ele junto a uma árvore - a Carvalha do Presépio - que não tinha mais de 10 anos de vida, dirigiu-se ao telespectador e disse: «estou aqui, junto de um monumento que tem cerca de mil anos de idade». Ignorava que árvore a que aludia tinha caído com um vendaval em 1987 e no seu lugar tinha-se plantado outra, que era aquela a televisão mostrava.

Napoleão-2O outro embuste, igualmente com eco na RTP1, prende-se com os ditos "franceses" de  Cujó. Já escrevi o que penso sobre o assunto em duas crónicas levado pelas fontes escritas que consultei, mas não resisto a escrever mais uma com vista a desfazer a fábula difundida também pela RTP1, que veio a Pendilhe e a Cujó trazida pela mão de Marco Mendes, natural daquela localidade.

Antes de tal programa ir para o ar fui contactado telefonicamente por um irmão desse Marco, presumo de seu nome Nelson, a residir em Lisboa, chegado até mim por via de um primo meu que naquela cidade tem escritório de advogado e já foi (não sei se ainda é)  comentador jurídico  num dos canais televisivos. 

Posto ao corrente das pesquisas feitas pelo irmão e conclusões tiradas, disse-lhe que o meu trabalho de investigação me tinha conduzido a conclusões diferentes, ainda que partindo da "estória" oral que a tal respeito corria na minha terra que eu conhecia desde criança. E o caso era que os "franceses" de Cujó descendiam de um soldado desertor das hostes napoleónicas, "escondido por uma pastora debaixo das saias e na loja dos porcos". Tal qual, Marco Mendes diz frente às câmaras da RTP1 (é só ver) sem qualquer reparo crítico por parte da jornalista que fez a reportagem.

Eu exijo um bocadinho mais de um órgão de comunicação social que vive com dinheiros públicos e digo, aqui e agora, que se a jornalista responsável pelo programa levasse em conta o facto pouco provável de, à época, uma pastora  proceder como lhe contavam e se alargasse um pouco mais a sua investigação teria conhecimento de que a mesma versão da "pastora a esconder um soldado fugitivo debaixo das saias e na loja dos porcos" tinha e tem "estória" paralela na aldeia da Gralheira, vertente norte da serra do Montemuro, passada a escrito por Carlos Silvestre, num dos seus livros, como já referi nas crónicas anteriores. Só que ali, o protagonista  "francês" dá lugar as «liberais e miguelistas». Logo, a mesma «estória» com protagonistas  em espaços e tempos diferentes.

Mas façamos a transcrição do texto existente online, desde o dia 18-01-2008, escrito por "Nelson Lisboa, blogspot.com" que presumo ser o irmão do Marco:


«PENDILHE EM DESTAQUE NO PROGRAMA DA RTP CHEGARAM OS FRANCESES

Para comemorar os duzentos anos das invasões francesas, a RTP exibiu no passado dia 5 de Dezembro um documentário feito de Norte a sul de Portugal por onde os Soldados Franceses passaram e deixaram as suas marcas. É neste contexto que a Jornalista Maria Júlia Fernandes, Autora do Programa e depois de um trabalho de pesquisa foi com a sua equipa de reportagem a Pendilhe para falar com o Marcos Mendes, um Pendilhense que após profunda investigação descobre que é tetraneto de um soldado Francês que se perdeu do seu Exército refugiando-se na região de Castro Daire e encontrou segurança junto da tetravó do Marcos, Joana Fonseca que o protegeu e depois casou com ele. Seu nome era Bernard Mandalon (Bernardo Mendes) natural de Biscat Baixos Pirenéus Franceses, deixaram vários descendentes tendo a sua família se espalhado por Pendilhe, Cujó e S.Joaninho (...)»

O autor do texto (Nelson Lisboa) teve o cuidado de expurgar a versão assumida oralmente por Marco Mendes assente no inverosímil facto do soldado encontrar esconderijo sob "as saias da pastora, e na loja dos porcos", (expurgo esse a que não serão alheios todos os argumentos que apresentei sobre o assunto) mas não resistiu em  associar o portuguesíssimo apelido MENDES ao sonoro MENDALON francês, filiando assim a sua descendência em Bernard Mandalon (Bernardo Mendes) (sic) para melhor enroupar a "fábula" e, por essa forma, a tornar "facto histórico".

De resto, «assim começou a história» são as palavras com que Marco Mendes, remata a lenda do esconderijo do soldado debaixo das sais da pastora e depois na loja dos porcos.  

Sabedor de tudo isto, com a pele a formigar, seguro de que a "efabulação", ainda que  difundida pela RTP1, tem limites, resolvi fazer mais esta crónica (vejam os anos que passaram)  depois de perguntar a um professor latinista, se a associação dos apelidos Mendes=Mendalon era legítima: Eis a resposta:


"Olá caro amigo Abílio, pergunta-me se o apelido Mandalon pode ser derivado de MENDES. Seria estranha essa derivação, foneticamente inexplicável, se não impossível. Mendes é um apelido português. Inclino-me para a hipótese de que "presunção e água benta, cada um toma a que quer".


Napoleão-1Pronto. Cá por mim, só vou gastar mais duas palavrinhas de latim com tão ruim defunto, no texto com que remato estas minhas reflexões sobre o assunto, texto usado na coleta da missa, durante algum tempo após as Invasões Francesas.  É que, depois de todas as pesquisas que fiz, é meu convencimento de que na origem dos "franceses" de Cujó, até prova documental em contrário, é  bem mais plausível estar aquele português, João Pereira de Morais, que, em 1850, de "avançada idade" fez um testamento distribuindo os bens pelos seus herdeiros, tal qual já escrevi em devido tempo, já que de «franceses» eram apelidados todos os portugueses  que não hostilizavam os invasores, respeitando as orientações difundidas pelo reino, através de editais e pastorais.

Tenho presente que, em obediência a tais orientações a coleta feita durante a missa, feita em latim,  viria substituir, por algum tempo, as palavras "Reginam Nostram Mariam Regentem Principem Nostrum Joanem, et Principescum Prole Regia Populo sibi commiso et Exercito suo terra marique" por «Gallorum Imperatorem Italoque Regem Napollionem, et Principes cum Prole Regia Populis sibi comissios, et exercitibus suis terra marique», como deixei escrito no meu livro «Castro Daire, Indústria, Técnica e Cultura,», editado em 1995.

Mas o melhor é ver o que pensa Marco Mendes (o mesmo que apresenta no Youtube um vídeo sobre Pendilhe , com o nome  Marcos Medalon)  sobre esta «estorieta».. É só clicar: https://youtu.be/MHP7DZx_QyM

 

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.