Trilhos Serranos

Está em... Início História PELOURINHOS - CASTRO DAIRE E ALVA
quarta, 15 junho 2016 15:54

PELOURINHOS - CASTRO DAIRE E ALVA

Escrito por 

 

SÍMBOLOS DE JUSTIÇA E MUNICIPALIDADE

Estes dois pelourinhos aparecem referidos por aí em tudo quanto é livro, folheto ou roteiro turístico ligados ao concelho de Castro Daire. Ambos classificados como «monumentos nacionais» por decreto nº 23.122 de 11-10-1933, o de Castro Daire é localizado «no Bairro do Castelo» e o segundo, em «fragmentos» localizado em Alva.

Há muito que, sem avença ou remunerações municipais,  ando na pista destes «monumentos nacionais», suspeitando das afirmações feitas e divulgadas por pessoas de respeito e por mim são consideradas sérias. O monumento situado no «Bairro do Castelo» não apresenta configuração e estrutura de «pelourinho», mas, tão só, de um simples cruzeiro que, «erradamente», alguém de boa fé e pouco prevenido, promoveu ao símbolo da justiça e municipalidade. Se todos os concelhos tinham um, Castro Daire, também deveria ter. Eu próprio, mal chegado a Castro Daire, fazendo fé nos investigadores que me precederam, cheguei a fazer eco dessa «classificação» numa crónica que escrevi no Boletim Municipal.

As leituras, pesquisas e investigações posteriores, porém, não tardaram a levantar as suspeitas de que algo estava errado, tanto no que dizia respeito ao «pelourinho de Castro Daire», como ao «pelourinho de Alva». 

 

No que respeita ao «pelourinho de Castro Daire», assente que o «monumento do Bairro do Castelo» não tem corpo de um «pelourinho», mas de um simples cruzeiro, a informação veio-me através do maço de correspondência que me foi cedido pela minha colega, hoje falecida, Maria Alice Aguilar, nos anos 80 do século XX.

Agiular-Pelourinho-1842 - CópiaCom efeito, numa das cartas, cujo «fac-simile» aqui se reproduz (ainda que truncado para acomodação de espaço) com data de 1842, ficámos a saber que existia uma litígio entre a Câmara de Castro Daire de então e o proprietário do solar Aguilar, António de Lemos Teixeira Aguilar,  ligado com a «deslocação do pelourinho». Para melhor entendimento vejamos o texto digitalizado:

«A respeito da mudança do Pelourinho, parecia-me que já há muito tempo tinha dito o que bastava, agradecendo ao digno Presidente da Câmara a maneira delicada com que deseja por termo às nossas dissensões. Se porém é necessário alguma coisa manda-mo dizer para eu a poder fazer».

Estava pois para ser mudado o pelourinho com o assentimento do juiz Desembargador a residir no Porto, em carta dirigida ao seu procurador em Castro Daire, Abade Bizarro.

Mas, em carta datada de 1844, no verso de um requerimento que a Câmara dirigiu ao mesmo senhor Desembargador, solicitando-lhe autorização para limpar a «Praça Aguilar» dos escombros resultantes de um pardieiros que ali havia em ruínas, a fim de melhor aproveitamento público desse espaço, o nobre senhor responde:

«Atendendo ao que a Ilustre Câmara da Vila de Castro Daire  me expõem sobre o terreno que me pertence em frente das casas que possuo no sítio da Praça pública da mesma vila, terreno que sendo, em tempos antigos, ocupado por alguns edifícios foram estes demolidos por seus possuidores, antepassados  meus a fim de obterem melhores vistas as mencionadas casas¸ e tendo em toda a consideração os plausíveis motivos que deliberaram a mesma  Ilustre Câmara a dirigir-me a carta retro: de muito boa vontade anuncio a requerimento da permissão, debaixo das condições expendidas e sem que jamais eu, ou os meus sucessores, possam por ela ser prejudicados em seus direitos. Porto 9 de Dezembro de 1844

Praça Aguilar-1844António  de Lemos  Teixeira  de Aguilar»

Estamos a falar da «Praça Aguilar», da mesma onde, neste mesmo ano (1844) foi levantada a forca para dar fim aos dias de vida de um dos assassinos do Padre Bizarro, nos arredores de Folgosa, irmão do Procurador que trocava correspondência política e administrativa com António de Lemos Teixeira de Aguilar, a mesma onde estaria o presumível «pelourinho» em deslocação dois anos antes.

Então para onde terá ido tão significativo monumento? As minhas pesquisas, feitas nas casas, paredes e muros de socalco, no velho casco da vila e terrenos circundantes, além de me levaram a fazer várias crónicas sob o título «Pedras que Falam», conduziram-me a uma adega, onde encontrei a coluna  do presumível «pelourinho». Mantive e mantenho em arquivo a informação recolhida em 2011.

Só hoje divulgo essa fotografia (ainda que, por razões óbvias,  não identifique o local)  pelo simples facto de coisa semelhante ter acontecido com o «pelourinho de Alva».

Andando eu na sua peugada, como cão perdigueiro em rasto de perdiz, encontrei no atual Presidente da Junta da União de Freguesias de  Ribolhos, Alva e Mamouros, a pessoa capaz de ajudar à sua descoberta. Bem relacionado e bem-querido com as suas gentes, solicitando a colaboração de todos, acabou por localizar o monumento há muito perdido. Ele está a servir de coluna numa casa assoalhada, na aldeia de Souto de Alva, a poucos metros do sítio, onde a tradição o tem localizado: perto de dois edifícios tidos  por antiga cadeia e antigo tribunal. É um prédio urbano pertencente a Dª Maria Ester Paiva Estêvão e comigo estiveram no local, hoje mesmo, não só o atual Presidente da Junta da União de Freguesias,  José Pereira de Almeida, mas também o ex-presidente da Junta Arménio Paiva Estêvão, ambos na foto, em baixo, à esquerda, ao lado do monumento. Um documento para a posteridade que os honra e que me honra.


Alva-1 -verticalEste pelourinho, tal como o de Castro Daire, está a servir de coluna de suporte de um Pilar-Leitões - 2011 - Cópiasobrado. Colocado em posição invertida indicia a intenção clara, por parte de quem dele fez uso, de querer esconder a sua identidade de pelourinho. Logo se verá e confirmará quando se desenterrar a sua "cabeça". O povo, sempre soube utilizar em proveito próprio, o património que as entidades públicas abandonaram aos «deus dará».. Em ambos os casos, Castro Daire e  Souto de Alva temos a prova material disso mesmo. Ainda bem que, seja numa adega, a cheirar a vinho, seja num curral de porcos, a cheirar a esterco, estes dois símbolos da justiça e municipalidade permaneceram de pé firme a sustentar as vigas de madeira onde assentam os caibros  para sobre eles se fazer o soalho e sobre este andar gente. É a história com gente dentro. O de Alva está em vias de sair do curral e mostrar o seu rosto ao mundo. Não tem de que se envergonhar. E isso deve-se, como já disse,  ao empenho e ás diligências do atual presidente da Junta, José Pereira de Almeida. O de Castro Daire, logo se verá. E, quando eu vir o executivo municipal está interessado no assunto, logo lhe direi onde é que ele se encontra, para entrar em negociações com o proprietário. Isto se, entretanto, os arqueólogos encartados o não desencantarem.

Ler 1873 vezes
Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.