Trilhos Serranos

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domingo, 30 outubro 2016 14:32

DE RETORNO AO SÉCULO XIX -2

Escrito por 

A PETISCADA - 2 

Gosto de carneiro assado

Gosto de couve flor

Gosto de queijo e pão

Gosto de vinho e licor

IMG 1926

Se voltarmos a ler a décima que o nosso poeta popular anónimo, do século XIX, nos deixou e através dos seus versos procurarmos saber quais os produtos alimentares à venda nos mercados, padarias, talhos, casas de pasto, pensões, tavernas e quejandos, seja nos meios urbanos,  seja ao longo das estradas, sobretudo nas ou na vizinhança das alquilarias onde parava a mala-posta, para descanso ou muda de cavalos  e também para os passageiros tomarem uma refeição ligeira ou reabastecerem o bornal, feito de trapos ou cabedal, para o resto da viagem, extrairemos a seguinte listagem:

CARNES: Carneiro, cabrito, vitela (bifes), rins (iscas), pardais.

PEIXE: marisco, mexilhão, bacalhau, carapau, enguias, conservas de lata.

LATICÍNIOS: Queijo

FRUTA: nozes, romãs, uvas, peras, melão, maçãs.

LEGUMES: Couve-flor, feijões, abóbora menina, repolho, batatas, salada, alho, arroz.

Farináceos: Pão, bolo de amor, pasteis de nata.

BEBIDAS: vinho e licor.

PRATOS COZINHADOS

Carneiro assado, rim grelhado, feijão guisado, arroz de marisco, arroz com pardais, iscas com batatas, carne estofada, peixe frito, bifes, papas de farinha de pau, qualquer deles acompanhado de vinho, seguido de um licor, depois de apreciar o sabor de um bolo de amor ou um pastel de nata.

Bem. Isto assim encadeado, tal qual digo, se seguirmos os hábitos atuais ao comum dos mortais. Pois casos tenho presenciado eu de ver o licor bebido (mais outras bebidas generosas) engolido, como aperitivo, antes das refeições, para não dizer que já vi e convivi também com colegas de profissão que engoliam um cálice de vinho do Porto, ou mesmo um quartilho de vinho tinto, enquanto eu saboreava o meu costumado café, após a almoço.

Não acreditam? Então ouçam esta. Certa vez desloquei-me à cidade de Évora onde se desenrolava um encontro de professores, num daqueles cursos de formação exigidos pelo Ministério da Educação. Nesse tempo eu não me assustava com os quilómetros de estrada que separavam o destino do ponto de partida. Estava a prestar serviço na Escola Preparatória Mário Beirão em Beja e Évora... «era logo ali». Metido na minha «Citroen Diane», aí vou estrada fora e em menos de nada estava junto de colegas que nunca tinha visto na vida, nem jamais vi.

O orientador do curso, um pedagogo nato,  distribui-nos por grupos e eu vejo-me emparceirado com colegas todos mais velhos do que eu. Garantidamente eles já não leem esta crónica por duas razões seguras: primeira, certamente já faleceram! Segunda, se forem vivos, a Internet, e a introdução da informática vieram  abreviar-lhes a aposentação, pois muito mais novos conheci eu que não quiseram adaptar-se a esta geringonça  digital, a este mundo abstrato, esotérico, etéreo. Ser professor e escrever sem giz no quadro, sem caneta, papel e tinta, era lá coisa que se visse? Falar de semiótica era falar de coisas do outro mundo e neste mundo andavam eles a ensinar meninos havia um ror de anos. Avante! 

Como dizia, depois dos trabalhos distribuídos por cada grupo, reflexões e conclusões tiradas sobre os temas em debate, cada grupo foi almoçar onde quis. Se em grupo estávamos a trabalhar, em grupo ficámos a comer. O debate das questões, em plenário, isto é, com todos os professores numa só sala, ficou para a parte da tarde. Durante o almoço vi que esses meus colegas mais idosos, gostavam da pinga. Chegaram-lhe bem. Bem comidos e melhor bebidos, estavam todos muito mais eloquentes à saída da refeição do que à entrada. Ao vê-los assim palradores fiquei um tanto aliviado, pois em encontros similares, não sei porque carga de água, era eu sempre o escolhido, o castigado como porta voz do grupo. 

Saímos dali com destino a um café próximo, onde eu julgava irmos terminar a refeição, rematando-a com o indispensável líquido castanho, espumoso e aromático trazido na xícara do costume, desde Trás-os-Montes ao Algarve. Sentámo-nos. Eu pedi o café e os meus colegas pediram um balde de vinho tinto de Reguengos. Não tugi, nem mugi. Simplesmente estranhei. Mas cada um é como cada qual, e cada um de nós transporta consigo os nossos gostos e hábitos culturais. Esses meus IMG 1927colegas eram de outras paragens e de outras eras. Nunca mais os vi, mas aqui os recordo como portugueses autênticos que eram, com os seus costumes ancestrais, cantando modas, mas indiferentes às modas e modernices importadas. Na comida, nas bebidas, na escrita e no falar. Com mais umas horas de estudo sobre o tema em debate - a semiótica - chegado o momento de transmitir aos outros o resultado das nossas reflexões,  perdeu-se-lhes o pio. Não me livrei de ser eu o porta voz do grupo.

E volvendo ao poeta popular e aos alimentos por si referidos posso dizer que os conhecia todos. Menos o "bolo de amor". Nunca dele ouvira falar e muito menos tive a oportunidade de saboreá-lo. Corri a consultar o GOOGLE. É para lá remeto os meu amigos. Sobretudo aqueles que gostam de toda a papinha feita. E tomem nota das entradas, da explicação obtida e do suporte de informação que a tal respeito encontram. E depois digam-me por que razão ilustrei este apontamento com fotos da diligência e da mala-posta.

Vá! Façam alguma coisa! 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.