Trilhos Serranos

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quarta, 09 novembro 2016 17:17

ARTE FORJADA -1

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HOMENAGEM AOS MESTRES DA FORJA, DO MALHO E DA BIGORNA

Quando, em 12 de setembro de 2011, alojei no Youtube o vídeo com a entrevista que fiz ao senhor António Viriato, um dos últimos "artistas do ferro" de Castro Daire, com oficina montada nas traseiras da Igreja Matriz, vídeo que, em 07-11-2016, somou 11.792 visitas (ainda disponível naquele site com o título "CASTRO DAIRE - O FERREIRO") era meu propósito fazer um REGISTO FOTOGRÁFICO das muitas obras de "ferro forjado" que, pintadas ou enferrujadas, com as marcas próprias do tempo, persistem em manter-se firmes e hirtas, assentes nas portas e nas varandas das habitações da nossa vila. 

 Da nossa vila e não só, já que algumas delas, cansadas de habitar o burgo vilão, descontentes com a requalificação feitas nas habitações, resolveram migrar para moradias de aldeia, onde pudessem manter a sua primeira identidade e dignidade.

1-Hospital Velho-2016 - 1-2 -RedzAssim, sem ninguém me pedir o sermão, sem encomenda das instituições culturais, nem avença com o nosso Município, mas reputando o projeto de significativo valor histórico por forma a deixar para os vindouros alguns traços fisionómicos do rosto físico e visível das fachadas do nosso tecido urbano, associado, naturalmente às posses, ao gosto e à sensibilidade estética das nossas gentes,  só pude iniciar esse projeto, neste ano de 2016, exatamente no dia 31 de outubro p.p., com a publicação de duas fotografias na minha página do Youtube, visando não só prosseguir os objetivos explícitos, mas também prestar, desse modo, uma "homenagem"  aos antigos "mestres da forja, do malho e da bigorna", ciente de que a HISTÓRIA não está  somente escondida nos poeirentos arquivos da TORRE DO TOMBO, mas também às vistas nas arejadas "grades das portas e varandas"  serranas que, neste início do século XX, teimam em resistir à substituta malha da modernidade trazida com o uso do alumínio ou mesmo do "ferro soldado". 

E ilustrei as minhas palavras com fotos de duas varandas com grades absolutamente iguais, colocadas em edifícios distintos, afastados um do outro, mas, seguramente construídos pelo mesmo mestre de obras, pois isso indiciam não só os ornamentos gradeados, mas também as fachadas principais e até as escadas de cantaria em forma de "Y" que existiam nos átrios de entrada e levavam ao primeiro andar desses edifícios, antes de sofrerem as remodelações trazidas pela modernidade. Trata-se do velho "Hospital da Misericórdia" e dos antigos "Paços do Concelho", dois edifícios contemporâneos de traça exterior e interior iguais e de iguais ornamentos de ferro forjado nas varandas.

1b-Hospital Velho-2016 - 1-2 -3-Redz - Cópia - CópiaNão fiz a história dos Paços do Concelho, mas historiei a construção do velho "Hospital da Misericórdia", no meu livro "Misericórdia de Castro Daire", editado pela Santa Casa  (livro encomendado pelo senhor Provedor Manuel Luciano, mas editado pelo senhor Provedor que lhe sucedeu, Jorge Ferreira Morgado, em 1990) construção que só foi possível graças ao consentimento do, então, Abade de Castro Daire, Padre Manuel Pinto Machado de Sousa Alvim, que era o senhorio direto das três moradias contíguas ao adro da Igreja Matriz e ao Passal, que foram compradas e demolidas para haver espaço necessário e suficiente à construção da nova obra. 

Decorria o ano de 1863 e, três anos depois, isto é, em 1866, já constava no livro de RECEITAS E  DESPESAS da Irmandade a conta de 28$000 para pagamento de seis camas de ferro vindas do Porto, ao preço unitário de 3.500 reis, o que indicia que a obra estava prestes a receber os doentes que ao Hospital recorressem.

O cidadão responsável pelo "risco" (planta), do Hospital,  bem como pelo ajuste da obra, foi o "pedreiro Manuel Domingues da Costa Barreiros", que presumo, portanto, ser também o responsável pelo  desenho da varanda e respetivo gradeamento, quer do Hospital, quer dos Paços do Concelho, quer da residência do Abade Alvim, a mesma que veio a ser do Padre Germano Pinto Ribeiro que, em 1909 era editor  do jornal local "A Voz do Paiva" , residência sita junto à Praça Aguilar, digamos que a ouvir o tic-tac do relógio mecânico da Igreja Matriz, para não dizer o toque dos sinos, já que esses,  por dever de ofício e graças à qualidade de fundição, atinge moradias e povoados mais distantes. 

Assim sendo, às duas primeiras fotos a que me reporto, que aqui recoloco para melhor entendimento, bem podemos associar mais uma terceira, a da varanda que nos meados do século XIX era do Abade Alvim e, no princípio do século XX, era do Padre Germano.

1c-Hospital Velho-2016 - 1-2 -3-Redz - CópiaE se nos lembrarmos que a disponibilidade do espaço para a construção do velho Hospital se deveu ao Abade Manuel Pinto Machado de Sousa Alvim, aquele que, em 1863, por ser o senhorio direto do terreno e das casas demolidas, recebeu de laudémio 4.675 reis, resultante da respetiva venda, não estranharemos ver na varanda da sua residência (mais tarde do Padre Germano) uma grade de malha e formato igual, à do Hospital e às dos Paços do Concelho. Todas contemporâneas, elas saíram, seguramente, da mesma forja e foram, certamente, encomendadas pelo "mestre de obras" a cargo de quem esteve não só o "risco", mas também a adjudicação dos edifícios. 

As grades das varandas destes três edifícios, entre as muitas que fotografei na vila,  são as únicas que nos fornecem esse traço de contemporaneidade. (ver fotos acima) Quiçá, porque os edifícios foram construídas pelo mesmo mestre pedreiro,  quiçá uma gentileza do construtor ao Abade Alvim que, ao disponibilizar terreno para a construção do Hospital, o mestre da obra, agradecido, não esquecesse do gesto do sacerdote. Especulação minha? Talvez não. Gentilezas dessas, ligadas à construção civil, não se ficaram por esse tempo, nem por esse exemplo, como todos nós muito bem sabemos. Elas não seriam as primeiras, nem as últimas. Bem nos lembrámos do sumiço que levaram as escadas de cantaria, em forma de "Y" que existiam no velho Hospital, nos Paços do Concelho e também na Escola António Serrado.  Só sabemos que, não obstante serem de granito, se esfumaram sem deixarem rasto. (CONTINUA)

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.