Topónimos de sítios, lugares, aldeias e vilas, camponesas, logo eu que, nado e criado no campo, em 1958 (vejam a curiosidade decorrente das três datas: 1258, 1758, 1958) deixei a aguilhada, a charrua e a enxada e fui assentar praça no R.I. 14 de Viseu, decidido a voltar ao campo, não já para fazer uso das ferramentas da minha mocidade para angariação do meu sustento, mas, sem esquecer a arte, tal qual fazia como lavrador, meter a mão no saco posto a tiracolo e, em gesto largo, mão cheia de sementes, espalhá-las por toda a parte, não já no agro, mas nas mentes. É o que tenho feito nos últimos anos na imprensa, em livros e, mais recentemente, neste latifúndio sem limites que dá pelo nome de Internet.
Uma das figuras históricas de que já me ocupei foi do Abade de Ribolhos que, em 1758, assinou as «Memórias Paroquiais». Faleceu em 1780. Chamava-se ele Manuel Francisco Gueidão que, tal como o seu pai, era natural do lugar de «Gueidão», topónimo assim escrito ainda nas «Mémórias Paroquiais» de Mões (ver ilustração ao lado, marcada com oval encarnada) mas que despareceu sem deixar rasto, a não ser na lenda que recolhi e escrevi nos anos 80 do século passado sobre o «Penedo do Gaidão», lenda que publiquei na imprensa regional e vim a integrar no meu livro «Lendas de Cá, Coisas do Além». (Esgotado) Posteriormente, e até prova em contrário, é convicção minha que tal nome foi substituído pela Quinta de Santana, cujas construções (habitação e capela) foram devoradas pelo fogo, não há muitos anos.
E o que sabemos nós deste Abade, a quem alguns historiadores, antes de mim, colam o apelido «Guedes» em vez de «Gueidão»? Sabemos que, em 3 de Março de 1746, por falecimento de seu pai, Domingos Francisco, ficou incumbido de rezar missa perpétua na sua capela de Santa Ana e, para pagamento dela, recebeu uma vinha sita no Barreiro. Sabemos que ele assinou as «Memórias Paroquiais» de 1758, nas quais enumerou, como lhe era pedido, os templos existentes na área da Paróquia, a saber:
«Tem por Orago Santo André Apóstolo. O templo tem três altares, um de Santo André na capela-mor e dois no corpo da igreja, um na parte direita e outro na parte da esquerda. O da parte direita é de S. Clemente Pontífice e o da parte esquerda de Nossa Senhora do Amparo».
«Tem huma capela da Senhora da Vitória, situada dentro do lugar de Ribolhos, he administrador della o Padre António Rocha, da vila de Mões. E tem hua capela de Sam Domingos, em um ermo fora do povo, ao pé do rio Paiva, he administrador della o Padre Manuel Maria Pereira, da Quinta de Malafaias, freguesia de Pinho, bispado de Viseu».
Mas, se bem repararam, não fez menção à Capela de Santana que tinha herdado por óbito do seu pai e na qual era obrigado a rezar uma «missa perpétua».
E que sabemos mais?
Sabemos que no ano de 1748, habilitando-se ao exercício de «Comissário do Santo Ofício» se procedeu, a propósito, à seguinte diligência, no sentido de o Tribunal da Inquisição saber se era pessoa digna de dal missão. Colo aqui o texto para os nossos políticos não se queixarem do escrutínio a que são submetidos, desde que se proponham a desempenhar funções «A BEM DA NAÇÃO» ou «A BEM DA RELIGIÃO»: A HISTÓRIA sempre nos ensina alguma coisa, ainda que ande por aí gente no concelho que gosta mais de vê-la enterrada, omissa, esquecida, do que tornada pública e explicada.
«Muito Ilustres Srs.
Executando a ordem de V.Sªs. na forma que nela se determina, fui à Vila de Mões e por pessoas nomeadas pelo Rvdo. Pároco achei que o Pe. Manoel Francisco Gueidão, Abade de Ribolhos, é natural do lugar de Gueidão, freguesia de Mões, donde também foi natural seu pai Domingos Francisco e sua mãe Maria Lourença, natural do lugar de Vila Franca da mesma freguesia de Mões. E que é neto paterno de Domingos Francisco falecido há puco tempo e de sua mulher - digo - e é neto paterno de Pedro Domingues e de sua mulher Maria Francisca, naturais do mesmo Gueidão, e neto materno de Domingos Francisco, bem conhecido pelo alcunha de Marto, naturais de Vila Franca, da dita freguesia de Mões. E que todas as sobreditas pessoas são naturais donde está dito e que foram lavradores e viveram de sua fazendas que cultivavam e nunca incorreram em infâmia alguma pública, nem pena vil «juris vel facti», nem descendem de quem a incorresse.
E que o dito Abade tem menos continência de que se deve ao seu estado, porque tem cinco filhos e um há pouco tempo. Dois que tem em casa se chamam Manuel e Florença e três que estão na Vila de Crasto Dayre e Bispado de Lamego. Mas não achei quem lhe soubesse os nomes. E todos são filhos de Maria da Ponte, solteira, filha de outra Maria da Ponte e de seu marido Manuel Lourenço de Matos, da dita Vila do Crasto. mas que tem juízo, esperteza e capacidade para dar boa conta e guardar segredo de tudo o que se lhe encarregar. E que é Abade colado haverá sete anos na Igreja de Ribolhos que ordinariamente lhe rende com o Passal oitenta mil reis, e o património e compras que fez que valerão cento e cinquenta mil reis, e rende quinze mil reis. E que se trata limpamente e com a decência que permite a pouca renda que tem. E que representa ter perto de cinquenta anos de idade. E naquelas vizinhanças não há Comissário algum e só em distância de duas léguas e meia o Vigário de São Martinho das Moitas. Nunca foi casado e os filhos que tem ficam acima referidos. E que, assim, o Abade habilitando, per si e seus ascendentes, como os filhos são puros legítimos e íntegros cristãos velhos, sem nota, fama ou rumor em contrário.
Em Mões informaram António Machado de Almeida capitão-mor, Josepf de Oliveira, Valentim Ferreira, Manuel Simões e outros nomeados pelo Pároco de Mões; em Ribolhos Gabriel Antunes, Domingos Fernandes, Matias de Almeida e Domingos Francisco. Nesta diligência gastei dois dias. Isto o que achei. V.Srªs. mandarão o que forem servidos. Varze 23 de Abril de 1748.
Súbdito de VSªs.
Joseph Roiz Dias»