RESTAURO DE FECHADURA
Num monte de lenha. arrumada nos fundos da minha casa encontrei parte de uma couçoeira de porta com a velha fechadura pregada. Posta ali pelos pedreiros que fizeram obra nova de obra velha, vi nela um documento que dizia algo sobre esta moradia e dei-me ao trabalho da sua recuperação, não obstante o seu mau estado.

Passou anos a abrir e a fechar portas
Dar segurança foi toda a sua vida.
E depois de ver tantas vidas mortas
Caiu num monte de lenha, desvalida.
Deu por isso tudo um poeta, atento
Àquilo que as coisas têm de humano.
Pegou-lhe e deixou voar o pensamento
Para o seu passado, tanto, tanto ano.
Levou a madeira, o trinco e a fechadura
Num estado tal que metia dó, tão danificada
E com horas de trabalho e jeito, restaurada
Devolveu-lhes o rosto e a vida numa moldura.
Saída, assim, daquele monte de lenha
Vê-la, salva e emoldurada, quem diria?
Futuras gerações humanas e o mais que venha
Verão nela uma escultura de rústica galeria.