Pois neste seu pensar jurídico a Magistrada, seguramente, não associou REGA/CAMPO CULTIVADO, nem a desnecessidade da REGA/CAMPO INCULTO, ao que se somam algumas contradições insanáveis. Ora veja-se: por um lado, a Meritíssima reconhece aos AA o direito de passagem com carro, animais, tractores, permitindo-lhes com isso o cultivo do terreno. Por outro, inviabilizado ficava o seu cultivo, não permitindo a entrada da água pelo rego, reconhecendo aos RR, implicitamente, o direito de o obstruírem, apesar de eles não terem feito prova de serem os legítimos proprietários da eira, dito por ela própria, aquando tratou do «direito de preferência», por eles evocado, no pedido de reconvenção.
São dúvidas e contradições a mais para entrarem na «decisão» de uma sentença.
Enfim, «não há bela sem senão», diz o povo e, por isto tudo, declinei o conselho do meu advogado. E vem a propósito lembrar que este meu trabalho, esta minha deambulação solitária, demorada e triste pelos interstícios do processo, começou com o ensejo de ver a Justiça mais eficaz, mais linear, mais simplificada nos trâmites processuais e, por conseguinte, eu não ter disposição para alimentar a máquina judiciária. Só forçado.

Ele aqui fica. Que mais não seja, por deferência e respeito pela memória daqueles habitantes de Fareja (incluindo a antiga proprietária da moradia ora em questão, foto ao lado) que, num Estado de Direito, e no lugar próprio, ganharam o direito de usarem e partilharem, de acordo com as áreas de terras possuídas, as AGUAS DA LEVADA DE FAREJA, as «águas do povo», «águas públicas», há séculos, assim conhecidas por toda a gente da povoação e das redondezas.
Dir-se-á que a magistrada, afirmando não saber se se «tratava de águas públicas ou particulares» ignorava toda a história destas águas e a posse que foi conferida à povoação de Fareja por sentenças e acórdãos dos tribunais de base e tribunais superiores.
Como jurista/magistrada não tinha a obrigação de sabê-lo. Só que, nem aqui lhe assiste razão para ter feito, a seu arbítrio, a abordagem que fez sobre o «rego=aqueduto». O meu mandatário, Dr. Aurélio Loureiro, de Castro Daire, também ele comparte das mesmas águas, desde que se tornou, como eu, morador da povoação de Fareja, alertado que foi para o longo historial dessas águas e para as publicações que eu já tinha feito a tal respeito, ele próprio, dizia eu, chamou a si o processo, estudou as sentenças nele incorporadas e lavrou na intentada acção dos AA, ponto 25 da p.i. o seguinte texto, com fotocópia anexa da sentença de 1755:

São águas da povoação de Fareja, partilhadas por todos os seus moradores. Não fizeram os AA prova disso nos autos? Pois não. O «aqueduto» não entrou no pedido feito ao Tribunal, não foi objecto de obstrução pelos RR., ipso facto, não havia lugar à apresentação do ónus da prova.
E quis a ironia da HISTÓRIA que um dos autores, Manuel Ferreira de Paiva, que em nome da povoação de Fareja, em 1860, levaram a questão ao tribunal para ser alterada a pena cominatória de 6.000 reis para 40.000 reis, fosse, na altura, o proprietário da moradia que agora é do autor da presente causa. Até por isso e, em memória dele (se respeito nos merecem os nosos antepassados) eu não deixaria de denunciar o «arbítrio» de uma magistrada que sobrepôs à história do «rego» conhecida por toda a gente, um juízo técnico-jurídico por toda a gente desconhecido e ignorado nos costumes e léxico local: o «aqueduto».
Ele tinha uma larga cópia de bens rústicos, produtores de milho, batatas e feijões, e tal como os restantes moradores de Fareja, necessitavam da seiva vital «H2O» para a sua produção e rendimentos. Ele fazia uso sazonal da eira, para nela malhar e secar os cereais, ao mesmo tempo que fazia dela caminho e rego permanentes para as traseiras da sua casa, que hoje é minha. Foi assim durante séculos. Morreram uns e nasceram outros e jamais alguém na aldeia, mortos e vivos, conheceram outra realidade.
O actual proprietário, 1º A. da acção, não vive da produção agrícola, nem tem essa cópia de bens rústicos. Mas, não tendo terras, aprendeu com os seus pais, na vida e nos livros o que ensinou os seus filhos e alunos: os valores da ética e da moral, o dever cívico num Estado de Direito, o respeito pela propriedade alheia, pelos usos, costumes e tradições, contra toda e qualquer ameaça arruaceira e primária, típica dos tempos em que se fazia justiça por mãos próprias. Dos tempos dos Malhadinhas que, de lódão em punho, nos terreiros das feiras e das romarias, lavravam e assinavam as sentenças, quantas vezes de morte.
A realidade, conhecida e vivida pela povoação de Fareja, mortos e vivos, tornou-me comparte das águas da Levada. E se os Códigos das Leis em vigor e seus intérpretes ignoram a realidade histórica relativa ao uso das águas, regos e caminhos da povoação, se tal realidade não está neles plasmada, não é o povo de Fareja que está em falta, são sim os legisladores e aqueles que do uso do Direito fazem vida.
E posto isto, visto tudo isto, ouvido tudo isto, num só particípio inovador, «ouvisto» tudo isto, sentença transitada em julgado, é altura de me socorrer de dois preceitos legais:
1º - «A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir».
2º - «Nulo é o acto que embora reúna os elementos necessários a sua existência, foi praticado com violação da lei (…) tanto o acto nulo como o anulável é considerado inválido».
Não cabe ao «sapateiro» estabelecer a conexão entre estes dois preceitos. Isso cabe aos técnicos de Direito, num ESTADO DE DIREITO, num Estado que não seja tão torto como a Levada de Fareja, aquela que, curva e contracurva, correndo em manilha aberta, em todo o seu percurso, se ramifica em «talhadoiros» e «regos», todos eles elevados à categoria de «aqueduto» no Código Civil, citado pela Magistrada, a mesma que na levada, regos, regueiras e talhadoiros não descortinou as «obras visíveis e permanentes» para decidir como decidiu, mesmo não sendo chamada a fazê-lo, pelos AA., em tal matéria.
Explicando melhor e finalmente: a Magistrada, embrenhada nos meandros da lei, reconhecendo que tal matéria, não tinha sido «formulada expressamente» pelos AA, entendeu, a arbítrio seu, reflectir sobre ela, para concluir logo depois que essa mesma matéria, «tinha de soçobrar». Quer dizer, ela a fez nascer, ela lhe pôs fim. A criatura morreu às mãos da criadora.
(continua)