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sábado, 14 novembro 2015 21:13

JORNALISMO E JORNALISTAS

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Já lá vão muitos anos que vi um filme, a preto e branco, cujo protagonista era um médico de província. Aparecia sentado a matraquear numa máquina de escrever esquecido das horas das refeições. Ouvia-se uma voz feminina, vinda dos fundos: «vem, a comida está na mesa». Uma, duas, três vezes e eis a resposta: «já vou, estou a acabar um artigo para o jornal local e se eu não faço isto, quem o faz?». Mais palavra, menos palavra, nunca me esqueceu este exemplo e foi o que fiz a vida inteira: escrever para os jornais locais/regionais, esquecido das horas das refeições, tudo sem «carteira de jornalista». São anos e quilómetros de «notícias», de «comentários críticos», de «história» «usos, costumes» etc. etc. e tudo o mais que julguei de interesse informativo e cultural. Na imprensa, na Internet, no meu site e agora no facebook. 

E vem tudo isto a propósito de um dos recentes programas da RTP «Prós e Contras» onde se discutiu «JORNALISMO E JORNALISTAS. E foi aí que uma jornalista do «Público» (não fixei o nome, nem me interessa) desvalorizou tudo quanto por aí se faz sem a assinatura de um «jornalista». Lembrei-me do livro de Philippe Gaillard, com o título «O Jornalismo», onde ele discorre sobre quem é ou não é jornalista, dizendo a páginas tantas: «há jornalistas que nunca escreveram e há professores, escritores, especialistas de todos os géneros que escrevem mais ou menos regularmente nos jornais». Lembrei-me que por volta de 1890, Amadeu Rebelo de Oliveira Figueiredo, sem «carteira de jornalista» (isso era COISA do porvir) comprou um «prelo» no Porto para fazer um jornal em Castro Daire, onde só 10% da população concelhia sabia ler. Era um homem de fé que acreditava na informação e na cultura! Lembrei-me que nas tabelas dos censos da população portuguesa havia duas colunas onde se distinguia quem sabia «LER E ESCREVER» e quem somente sabia «LER». Lembrei-me que muita gente da serra aprendia a «LER» (E NÃO A ESCREVER) através dos jornais que à serra chegavam a embrulhar encomendas. Tudo sem «jornalistas». Lembrei-me do papel insubstituível da imprensa local/regional, onde, só muito recentemente, aparecem os jornalistas «encartados». E eu, escrevinhador na imprensa local/regional sem «carteira de jornalista» lembrei-me de ter recebido um telefonema da redacção de um jornal para onde escrevia, pedindo-me para «amenizar» a crítica que fazia a uma obra municipal. Que o jornal passava por momentos difíceis e a publicidade da Câmara dava um «jeitinho». Não senhor. Nada de «amenizar», nada de censura. Não publicasse. A crónica seria publicada no meu site e foi. A partir daí passei a estar atento aos anúncios municipais publicados nos jornais para onde escrevia. Jornais locais/regionais com dificuldades de sobrevivência, uma página inteira de publicidade, e já está, a Câmara paga, a Câmara condiciona. 
Não. Mil vezes não à postura da tal jornalista que felizmente foi corrigida por outros interventores no programa. Mas, não estivesse eu seguro, das verdades que escrevi (com ou sem os formalismos da pirâmide invertida e coisa e tal parecida) e entrava em depressão: tantos anos a escrever, numa atitude semelhante à do tal médico de província, à de Amadeu Rebelo de O. Figueiredo, crente no valor que a informação tem na cultura, tudo seria uma nulidade porque foi escrito sem ter no bolso «uma carteira de jornalista». Não me fez falta nenhuma, mas, em boa verdade, face às provas públicas dadas (porque publicadas nos jornais) tal documento bem me podia ser dado por EQUIVALÊNCIA. Sem favor!

 

Abílio/14/11/2012

cf. Facebook neste dia, mês e ano.

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.