Trilhos Serranos

Está em... Início História LAMELAS «PEGADAS NO TEMPO E NO ESPAÇO» (CATORZE)
quinta, 24 agosto 2023 14:45

LAMELAS «PEGADAS NO TEMPO E NO ESPAÇO» (CATORZE)

Escrito por 

HISTÓRIA

Assumido lenhador na FLORESTA DAS LETRAS,  primeiro historiador, poeta e escritor natural do concelho de CASTRO DAIRE, com assento no menu «Discovery & Science» de "NOTABLE PEOPLE" ( https://tjukanovt.github.io/notable-people) disponível no GOOGLE, para respeito e consideração dos estudiosos e  despeito dos imbecis, sem agulha nem carris, enroscados nos seus covis,  eis-me de podão em punho a penetrar mato dentro e deixar mais algumas clareiras abertas na área do conhecimento relativo a estas PEGADAS NO TEMPO E NO ESPAÇO, de LAMELAS.

 

ACÁCIO FIGUEIREDO

SERRAÇÃO DA  CORREDOURA/BOUCAL

Acácio de Figueiredo esteve  primeiramente ligado à SERRAÇÃO DA CORREDOURA, nascida em Castro Daire, mas por razões de energia elétrica, mudou-se para as CHÃS/BOUCAL (TERRAS DE LAMELAS) com a maquinaria e o pessoal, onde tomou o nome de SERRAÇÃO DO BOUCAL.  Mas vamos ao princípio dela, já que, em devido tempo, falarei no seu fim.

1 - SERRAÇÃO «A CORREDOURA»

BOUCAL1Na vila de Castro Daire, a Serração da Corredoura, foi a segunda a ser instalada. Não tardou, porém, a ser e mais designada por "Serração do Vale do Paiva". Teve como primeiro proprietário António Clemente da Costa. Nos anos 50, Clemente da Costa chegaoua negociar a firma com um tal Dr. Taborda, de Lisboa, mas por este não satisfazer os compromissos assumidos, o negócio foi gorado. Surgeiu então  Hermínio de Oliveira que, depois de passar 175 contos para a mão do proprietário, passou a chamar a fábrica sua.  De seguida deu  sociedade a Acácio de Figueiredo e este, na década de sessenta, depois da aquisição da cota do seu sócio, torna-se sozinho senhor e dono da fábrica.

Acionada por duas máquinas a vapor desde o início, uma "Ruston" estava ainda em laboração, ali, em 1971, década que assistiria à sua ida para a sucata por ordem do atual proprietário.

2-BOUCAL-2MOTORPosteriormente, como disse acima,  por razões que se prendiam com o fornecimento de energia elétrica, Acácio de Figueiredo mudou-se com armas e bagagens para o sítio das CHÃS, onde o EQUIPAMENTO acabou imobilizado pronto a ir para a sucata. Restam lá parte da instalações e a elas se prende o texto que escrevi com o título «O ÚLTIMO DOS MOICANOS» referindo-me a uma relíquia rodoviária que pertenceu à Empresa tornada inativa, o espaço prestou-se a aluguer para estacionamento de viaturas e uma delas, dado o valor funcional e simbólico que teve no concelho, merece ter neste APONTAMENTO o destaque que já lhe dei noutra altura. Refiro-me ao último carro da EMPRESA GUEDES, pois, como já sabemos, eu, assumido  almocreve das letras, atravessando o rio do conhecimento, não deixo em nenhuma das margues o produto que transporto nos meus alforges. Por isso aqui descarrego o texto que publiquei em tempos, neste mesmo site. E cabe ao historiador lembrar o PASSADO em letra redonda por forma a que o FUTURO do concelho tenha algum sentido.

 

*
*      *

 

O ÚLTIMO DOS MOICANOS

DEVER DO HISTORIADOR

 

CASAEm 1958, com 18 anos de idade, saí de Castro Daire a caminho de Viseu, viajando na  EMPRESA GUEDES. Nela viajei várias vezes, ida e volta, mesmo quando, malas feitas, só ida, fui apanhar o comboio a Viseu com destino a Lisboa e dali, metido no “Pátria”, rumei a Moçambique.

O “Pátria” levou da Pátria um castrense solteiro, mas ele à Pátria regressou em 1976, “casado e professor” profissão docente que desempenhou até se aposentar, conciliando a docência com a investigação da HISTÓRIA LOCAL.

Retornado de Moçambique fui colocado em Castro Verde e, alguns anos depois, retornei a Castro Daire, ao meu concelho de origem. Foi no ano letivo de 1983/84.

Como nunca fui um “professor de compêndio”, isto é, aquele que procura saber e ensinar aos alunos a matéria compendiada, ignorante que era da história concelhia, das suas gentes, costume e tradições, exceto as tinha aprendido em Cujó e nos livros da escola primária, seguro de que a HISTÓRIA universal e nacional só tem sentido com o conhecimento da HISTÓRIA LOCAL, virei-me de imediato para essa área de  investigação,  publicando o resultado dos meus trabalhos  no “JORNAL DE PROVÍNCIA”, um periódico que, apesar de ser editado na ANADIA, se lia muito no Café Central, ali às «QUATRO ESQUINAS».

CARRO-3E foi ali que, nos primeiros tempos, convivi com colegas, amigos e naturais da terra. Gente humilde e gente grada. E como esta crónica se prende, diretamente com a história da EMPRESA GUEDES, devo dizer que tive por amigos o senhor Albertino Guedes, que me forneceu documentação vária sobre a ESMPRESA e outra, cujo conteúdo já publiquei nas crónicas sobre Mões, e também com o senhor Alcides Guedes, um senhor de fino trato, que se manteve como gerente da  EMPRESA até 1990, data em que faleceu.

A história da empresa veio a ser publicada  por mim em 1995, mas desde há muito que eu vinha coligindo informação sobre ela, quer em documentação escrita, quer oralmente, por se tratar de uma EMPRESA DA TRANSPORTES com fortes raízes históricas no concelho e eu, pela quantidade e qualidade de gente que nela viajou, em todas as direções não fui imune à empatia que ligava “servidores” e “servidos”       e, consequentemente, a considera-la um SÍMBOLO IDENTITÁRIO  muito nosso.

Aproveitei a minha LICENÇA SABÁTICA e mãos à obra. Saiu o livro “Castro Daire, Indústria, Técnica e Cultura, com enfoque nos equipamentos e áreas económicas e culturais que foram (ou eram) o sangue que deslizava nas veias do nosso concelho. E nessa linha de pensamento, nessa forma de valorizar as coisas e considerá-las, mesmo que  inertes, uma espécie da “extensão humana”, era fatal: a única empresa de transportes com vida, nada e criada em terras de Castro Daire, era a EMPRESA GUEDES. Ela tinha de preencher algumas páginas do meu livro. E preencheu. Deixando para trás a sua antecessora no ramo de «transportes rodoviários» cujo fundador foi José Clemente da Costa, eis, em breves linhas, o que deixei nas páginas 244 e 245  do livro acima referido:

CARRO-1«E foi nos negócios dos azeites, mercearias, lãs em rama e peles, zelando pelos seus interesses e pelos interesses daqueles que o constituíram seu procurador, emprestando dinheiro a juros, adquirindo terras por compras e por insolvência de dívidas não satisfeitas que, Joaquim Guedes arranjou lastro patrimonial para, em 1933, no escritório do Dr. Alexandre de Lucena e Vale, da Comarca de Viseu, a 3 de Novembro, poder constituir, em sociedade com João Augusto Guedes, seu filho, Grumecendo dos Santos Costa  e António Clemente da Costa, seus genros, uma empresa de «comércio de camionagem e compra e venda de peles em bruto, denominada «Joaquim Guedes, Filhos e Genros; Lda» com o capital social de cem mil escudos  (100.000$00). Empresa que, alargando cada vez mais o seu raio de ação e apetrechando-se tecnicamente segundo as exigências dos clientes e dos tempos, havia de chegar aos nosso dias» (...) Em 1969 o capital social da epresa foi aumentado para um milhão de escudos (1.000.000$00) por escritura de 21 de Julho, tornando-se gerente-social o sócio Alcides Guedes, função que há de desempenhar até à sua morte em 1990».

Nas minhas lides de investigação, conversava com toda a gente e também com os jovens professores de então. Um deles era o João Manuel Guedes Duarte de Oliveira, que, ao tempo, integrava os quadros da Empresa. Fosse por influência das nossas conversas sobre o património ou não, ele fez o que pôde e soube restaurando a mais antiga viatura que restava da velha frota. E fez bem. Ela se mostra aqui, tal como está.

Mas depois veio a concorrência das empresas de transportes na disputa do mesmo território, vieram os negócios, vieram as fusões das empresas, as mudanças de nomes, a perda de identidade de muitas delas espalhadas pelo território. No que respeita à EMPRESA GUEDES, alguns carros (poucos) mantiveram nas suas testadas, fronteiras, laterais e posteriores,  a IDENTIFICAÇÃO ORIGINAL, mas a maioria, não. E passageiros havía que, conversando comigo, se lamentavam de viajar em carros com os quais se não identificavam. Era como se estando dentro do seu território estivessem em território estrangeiro. Nada havia a fazer. A economia ditou as suas leis, e estas raramente se compadecem com o respeito pelos valores históricos ou morais desta ou daquela localidade, desta ou daquela comunidade. Éra e é  o «mundo global» a impor os seus ditames.

ASASPosto o que, passada essa fase de “guerra de negócios e de interesses”, aquele “arrumar de casa”, de concorrência feroz (salve-se quem puder) que havia e prosseguiu (com política e políticos pelo meio, como é público),  eu, que deixo ao privado o que é privado e coloco o enfoque somente no que é de interesse público,   neste ano de 2019, alertado que fui por um amigo da nossa História e Património, o jovem  Nuno Gonçalves, residente em Lamelas, que nas CHÃS, onde existiu a SERRAÇÃO DO SENHOR ACÁCIO, existia,  com sinais de abandono, o antigo CHEVROLET da GUEDES, desloquei-me lá e arranjei matéria para esta cónica. Vi um carro com  assentos novos, de chave no sítio à espera de ser rodada, banco de condutor disponível. E o seu estado trouxe-me à memória a luta travada entre ingleses e franceses no território dos  índios moicanos e dar-lhe o nome indígena, aquele que se bateu pela manutenção  da sua identidade: “O ÚLTIMO DOS MOICANOS”, não no sentido de estar contra o progresso, agarrado a ideias e formas de vida do passado, mas na ESPERANÇA de que nem tudo morre. Há sempre algo que sobrevive. E quando a MATÉRIA desaparece no invisível átomo cósmico, fica sempre a MEMÓRIA, pois tenho para mim, e desta não me arredo, que a MEMÓRIA SOBREVIVE À MATÉRIA. Por isso escrevo, por isso faço vídeo. Escrevo sem caneta, nem papel, nem tinta. Deixo no mundo palavras e imagens «desmaterializadas», uma forma de exercer a CIDADANIA, uma forma de, na situação de APOSENTADO, me manter no ACTIVO e útil à sociedade e comunidade em que me integro, não sem algum desalento e tristeza. É que às vezes sinto que sou eu «O ÚLTIMO DOS MOICANOS».   

Ler 595 vezes
Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.