Assistir a este CORTEJO, a todo o seu movimento, colorido e protagonistas, é mergulharmos em profunda Idade Média. É regressarmos a esse Portugal agro-pastoril povoado do litoral ao interior, como tão bem exemplificam os recursos que as povoações tinham em nãos para se mostrarem solidárias com a Santa Casa. E ressalta à vista que as terras mais afastadas da sede do concelho, devido aos maus acessos e lugares distantes, não perdiam tempo com carros e carretas. Agarravam na «notinha» e «tomem lá», não se fala mais nisso. Outras, onde o «metal sonante» escasseava, nomeadamente as povoações serranas a norte do Paiva, botavam mão dos produtos agrícolas e derivados, como, por exemplo, os «colmeiros» e os carros de «palha» que serviam para cobrir casas, barracas e alpendres, e bem assim encher colchões de particulares e de pensões.. Daí a uma década este mesmo Portugal seria despovoado pela emigração de «salto» para a «estranja». E a minha geração e descendência recusaria fazer parte integrante desse Estado Novo, velho de séculos.
E deixo para um post posterior o que se me oferece dizer pelo facto de CUJÓ aparecer em primeiro lugar na listagem feita. Cheira-me que aqui andou influência política de duas pessoas muito amigas. Uma era o meu pai, Salvador de Carvalho e a outra o Dr. Luís de Azeredo Pereira, o Provedor da Santa Casa, cumulativamente Presidente da Câmara.
2 - O CORTEJO - 1950
Aprendi não sei com que MESTRE ligado ao modo como «fazer história» que o investigador tem, por vezes, de se valer do «não dito» nos documentos em que se apoia.. E a explicação de CUJÓ aparecer em primeiro lugar na lista do Cortejo, só se «descobre» pelo cruzamento de informações que sobre o mesmo assunto ficaram, mesmo que não «ditas» e/ou não apareçam ligadas a ele de forma clara e expressa..
Neste caso está em sabermos que Cujó tinha acabado de se emancipar civilmente da freguesia de S. Joaninho (1949) com o apadrinhamento do Dr. Luís Azeredo Pereira, então Presidente da Câmara e, no presente caso, Provedor da Santa Casa, que assina o Relatório de Contas. E esse apadrinhamento, cuja fundamentação deixei escrita no meu livro «Cujó, Uma Terra de Riba-Paiva», publicado em 1993, encontra aqui a sua extensão. À frente da luta pela independência estava o meu pai Salvador de Carvalho, escorado no apoio político-administrativo do Dr. Luís Azeredo Pereira e outros. Certamente todos aqueles que ferravam o dente nas perdizes e nos coelhos que o meu pai lhes oferecia em prol do bem comum e em prejuízo da prole que ferrava o dente na côdea seca, sem conduto, da broa de milho ou de centeio que cultivávamos, segávamos, malhávamos, moíamos e cozíamos. Os interesses colectivos a isso o obrigavam. E a estes anos de distância, informado e estudioso que sou dos factos e dos meandros da política e do papel do homem público, muito me honra que o meu pai, no exercício da cidadania, para o bem de todos, tenha sacrificado algum conforto pessoal e de família. E o facto de assim ser, de haver disso memória pessoal e os documentos o comprovarem, não pode inibir-me de dizê-lo e de comentá-lo. E nesse contexto Cujó, fez questão de não envergonhar o «padrinho» e marcou a diferença, apresentando-se no cortejo com «nove carros» e S. Joaninho, apenas com «quatro». É só ler. E, face à leitura dos donativos das restantes freguesias e povoações, facilmente se concluirá que o critério de «número de carros», na ordenação das freguesias e povoações, para Cujó aparecer em primeiro lugar na lista, dizia o «não dito», pois outras freguesias e povoações que incorporam o cortejo fizeram-no com mais carros e, seguramente, com donativos mais valiosos.